segunda-feira, dezembro 29

Literatura: Seria Dantas um cigano?

Este senhor, que significa mais aos homens de hoje como o terrível humilhado quando do manifesto do modernismo por Almada Negreiros, escolheu a medicina como o seu talento merecedor de estudos superiores. Estudou esta ciência nas escolas de Lisboa que se dedicavam à sua investigação, até ao ano 1900. "Saberá de medicina", como escreveu José de Almada Negreiros.

Porém, Júlio Dantas foi mais do que alguns o querem hoje classificar após o manifesto dos modernistas. Tanto como médico como na área das letras, deixou o seu percurso delineado. Exerceu medicina ao serviço do exército português e essa dedicação laureou-lhe um cargo de embaixador no Brasil no início do século XX. Como escritor, no entanto, deixou uma marca mais profunda que nada teve que ver com inovação: a sua escrita não sugeriu mais ao seu público do que uma continuação do género e dos valores transmitidos pelos registos textuais da época e do final do século XIX. Por muitos especialistas de arte, Dantas é tido como um escritor naturalista, à semelhança de Eça de Queirós. Além dos vastos trabalhos na poesia, prosa e drama, a sua influência na literatura abrange os domínios da propriedade de diversas tipografias lisboetas e a participação na elaboração do acordo ortográfico com o Brasil.

Nasceu em Lagos, no Algarve, morreu em Lisboa e viveu ao longo de 84 anos, registando uma das mais duradouras existências do nosso panorama literário. Não consistiu, no entanto, no escritor mais frutífero das últimas décadas nem mesmo do último século. A sua obra mais importante refere-se ao teatro, exaltando o heroísmo e o amor elegante, e na escrita de novelas. Importa referir, por os tempos actuais haverem perturbado o seu significado inicial, que uma novela, literariamente, é um texto mais extenso do que um conto mas mais curto do que um romance.

Dantas foi dos poucos escritores, entre os que ficaram na História, que obteve maior sucesso e reconhecimento em vida do que após a sua morte. Num sentido que lhe deu o passar veloz do tempo, Júlio Dantas é hoje pouco mais do que o símbolo das resistências culturais que o modernismo conheceu na altura do seu surgimento. Este tipo de resistências prende-se com o registo linguístico, hoje chamado por muitos de "ultrapassado", mas que para mim permanece inalteravelmente belo e contribui para a riqueza literária de que Portugal se pode orgulhar. Segue-se aqui, para demonstração breve, umas frases de Júlio Dantas que retirei de um conto denominado "O amor - mulheres que Camões amou":

Eu julgo que, em muitos casos, pode reconstituir-se a psicologia dum homem pelo simples conhecimento das mulheres que ele amou. O amor por ma mulher representa sempre uma preferência, uma tendência, uma afinidade electiva, um contacto moral. Nas mulheres amadas há muito do homem que as ama. Elas são como que espelhos espirituais onde esse homem se retrata. Reflectem as predilecções do seu carácter, da sua inteligência, da sua educação, da sua sensibilidade.

sábado, dezembro 27

Cinema: A Recompensa de Anos Dedicados à Arte Cinematográfica

Através das suas produções cinematográficas, Manoel transmitiu-nos vivências da sua infância, novas maneiras de olhar-mos alguns assuntos, novas técnicas aplicadas nos seus filmes e aceitou críticas que só fortaleceram a sua carreira.


E por toda uma vida dedicada ao cinema Manoel de Oliveira mereceu cada prémio e galardões que recebeu.
  • Em 1964, com o filme “Acto da Primavera”, Manoel de Oliveira recebeu a Medalha de Ouro no Festival de Siena em Itália. Também com o mesmo filme recebeu o Prémio de Cinema da Casa de Imprensa pela Melhor Realização.
  • Recebeu o Prémio Especial do Juri, no Festival de Cinema da Figueira da Foz, em 1979 com um dos seus filmes mais polémicos, “Amor de Perdição”.
  • Em 1982 Manoel de Oliveira recebeu dois prémios de origem nacional, o primeiro da revista Nova Gente e depois do Instituto Português de Cinema (IPC).
  • O filme “Os Canibais” deu a Manoel de Oliveira dois Prémios, um na Amostra de Cinema em São Paulo e outro atribuído pela Cinemateca Real da Bélgica, ambos em 1988.
  • Através da longa-metragem “Porto da Minha Infância”, Manoel de Oliveira foi premiado com o Prémio Robert Bresson.
Ao longo da sua carreira não só espelhou a sua arte pela Europa, mas sim por todo o mundo.
Apresentou filmes em festivais mundiais, divulgou as suas obras por todo o mundo.
Com o filme “Vale Abraã”, em 1993, participou nos festivais como no Festival de Cinema de Nova Iorque, Festival de Toronto, Festival Internacional de Cinema de Porto Rico, Festival Internacional de Cinema de Thessaloniki (Grécia), Festival de Tóquio, Festival de Cinema de Genebra, entre outros.

Em 1995, com o filme “O Convento” viajou pelo mundo e apresentou-o em festivais em França, Espanha, Israel, Índia, Itália, Canadá, Brasil Japão, entre outros. Entre 1996 e 1999 viajou até França, República Checa, Hungria, Alemanha e Holanda, com o mesmo filme.


“Party” foi outro dos filmes que deram a Manoel de Oliveira a possibilidade de conhecer o mundo. Em 1996, 97, 98 e 99, foi aos festivais dos Estados Unidos, da Argentina, do Uruguai, de Hong Kong, de Jerusalém, entre outros. Também os filmes “Carta”, “Porto da minha Infância” e “Vou para Casa” deram a mesma oportunidade da viagem pelo mundo ao cineasta.


Manoel de Oliveira tem presença assídua no Festival de Cannes, Veneza e Montréal.



Considerando serem os mais importantes, destaco os prémios ganhos pelo cineasta, o Leão de Ouro (o prémio maior atribuído no Festival Internacional de Cinema em Veneza) em 1985 e 2005 e em 2008 a Palma de Ouro (Prémio atribuído ao prémio vencedor no Festival de Cannes).



Neste ano que está a acabar, Manoel de Oliveira foi premiado com o Prémio Mundial do Humanismo por se considerar ter contribuído com a sua arte para a preservação da paz, como também foi doutorado pela Universidade do Algarve.






A última consagração atribuída ao grande cineasta português foi atribuída pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem de Infante Dom Henrique pela “sua singularidade” e pela sua recheada de sucessos e longa vida e carreira. Após receber tamanha congregação desejou que “o Presidente da República e todos os presentes chegassem aos 100 anos para receberem um prémio tão honroso”.


Assim, acabo esta trilogia dedicada ao cineasta Manoel de Oliveira. Após este três artigos conheço melhor a carreira de uma dos maior, se não o maior, cineasta português. Espero que também vocês se sintam mais conhecedores de parte de história do cinema português.

sexta-feira, dezembro 26

Arte Popular: "Feliz Natal"


O natal é um dia muito importante em todo o mundo. As tradições de cada país, giram todas á volta de uma lenda. Existem semelhanças nessas tradições, variando de país para país. O espírito natalício aviva o espírito de entreajuda, solidariedade, caridade, carinho, compaixão, entre muitos outros sentimentos. “Feliz Natal”, é apenas a versão portuguesa de felicitar um só e todos neste dia tão especial. Tal como em Portugal no resto do mundo também se comemora o natal, e para o desejar diz-se:

Alemanha - Fröhliche Weihnachten
Argentina - Felices Pasquas y Feliz Año Nuevo
Bulgária - Tchestita Koleda; Tchestito Rojdestvo Hristovo
Coreia - Sung Tan Chuk Ha
Croácia - Sretan Bozic I Nova Godina
Dinamarca - Glaedelig Jul
Eslováquia - Sretan Bozic or Vesele vianoce
Espanha - Feliz Navidad
Estónia - Ruumsaid juuluphi
França - Joyeux Noël
Grécia - Kala Christouyenna
Hawai - Mele Kalikimaka
Inglaterra - Merry Christmas
Indonésia - Selamat Hari Natal
Iraque - Idah Saidan Wa Sanah Jadidah
Itália - Buon Natale
Japão - Shinnen Omedeto; Kurisumasu Omedeto
Jugoslávia - Cestitamo Bozic
Latim - Natale hilare et Annum Faustum!
Noruega - God Jul
Roménia - Sarbatori Fericite
Rússia - Pozdrevlyayu s Prazdnikom Rozhdestva Is Novim Godom
Turquia - Noeliniz Ve Yeni Yiliniz Kutlu Olsun
Ucrânia - Srozhdestvom Kristovym
Vietname - Chung Mung Giang Sinh



(Este artigo deveria ser publicado apenas no dia 02 de Janeiro de 2009, mas como me vou ausentar e não poderei coloca-lo adianto já o meu trabalho. Espero que gostem)

Arte Popular: Bolo Rainha

Para quem não é apreciador de frutas cristalizadas,o Bolo Rainha é uma boa substituição do bolo rei.

Ingredientes:
15 gr de fermento;
250 gr de farinha;
50 gr de açúcar;
50 gr de manteiga;
2 ovos;
2 colheres de sopa de aguardente;
120 gr de amêndoas;
60 gr de uvas passas;
30 gr de pinhões;
50 gr de sultana;
12 nozes;
2 colheres de sopa de rum;
Leite, manteiga e farinha q.b.

Decoração:
2 gemas;
20 gr de pinhões;
30 gr de miolo de noz;
100 gr de amêndoas;
Açúcar em pó q.b.


Preparação:
Dissolva o fermento e duas colheres de sopa de farinha, em leite morno.

Num alguidar, junte a restante farinha, a manteiga, o açúcar, os ovos, a aguardente e a mistura do fermento e amasse tudo muito bem.

Deixe levedar durante três horas.

Misture bem os frutos secos e deite-os numa tigela, adicione o rum e deixe macerar durante 15 minutos. Junte os frutos e o liquido à massa e deixe repousar mais 15 minutos.

Sobre uma superfície lisa, polvilhada com farinha, molde a massa em forma de coroa.

Passe-a para um tabuleiro untado com manteiga e deixe levedar, tapada, durante mais 40 minutos.

Bata as gemas e pincele a coroa. Polvilhe-a com os frutos secos e com o açúcar em pó. Leve a cozer em forno médio, 180ºC, durante 35 minutos, ou até que esteja cozida.

Deixe arrefecer cerca de 10 minutos e volte a polvilhar com açúcar em pó.

Arte popular: Bolo Rei

Bolo Rei, uma tradição presente em cada ceia de natal.


Ingredientes:

1kg farinha;
40 g fermento;
1,5 dl leite;
150 g açúcar;
sumo e raspa de 1 laranja;
1 cálice de vinho do Porto;
125 g manteiga derretida;
4 gemas;
2 ovos;
1 dl cerveja;
200 g frutas cristalizadas;
100 g frutos secos;
farinha para polvilhar;
banha para untar;
ovo para pincelar;
frutas cristalizadas para decorar;
açúcar em pó para polvilhar.

Preparação:

Coloque a farinha numa tigela, abra-lhe uma cavidade ao centro e deite aí o fermento previamente dissolvido no leite morno.
Amasse bem, faça uma bola e deixe levedar (até duplicar de volume).

Junte o açúcar, o sumo e raspa de laranja, o vinho do Porto, a manteiga derretida, as gemas, os ovos inteiros e a cerveja.
Amasse e bata bem a massa sobre uma mesa de mármore.

Misture os frutos na massa, forme uma bola, polvilhe com farinha e deixe levedar de novo.

Divida a massa em porções, sendo que 800 g de massa dão um bolo de cerca de 1 kg. Com cada porção faça uma bola e forme um bolo dando-lhe o feitio tradicional.

Coloque os bolos em tabuleiros untados com banha, pincele-os com ovo e decore-os com frutos cristalizados e montinhos de açúcar em pó.

Leve-os a cozer cerca de 50 minutos, em forno a 170 graus. Verifique se estão cozidos antes de retirar do forno.
Artigo de dia, 19 de Dezembro.

quinta-feira, dezembro 25

Música: É Natal!

Boa tarde! Antes de mais, peço imensa desculpa pelo atraso na publicação deste artigo. Porém, na medida em que o artigo aborda levemente algumas músicas de Natal portuguesas, penso que surge na data correcta.
A maioria das tradições musicais de Natal, e das músicas que ouvimos nesta época, prende-se com a forte raíz católica do país. Na altura do Natal, os coros cantam louvores ao nascimento de Cristo, como por exemplo, nas músicas "Noite Feliz", entre muitas outras. Muitas destas músicas de inspiração religiosa remontam ao início do século XX.
Ainda com a intervenção corista, temos as músicas de Natal regionais, como o "Natal de Elvas" e o "Natal da Beira", que cantam as tradições da cidade, ou da região; e o clássico dos últimos anos "A todos um bom Natal", interpretado maravilhosamente pelo Coro de Santo Amaro de Oeiras (coro esse que, diga-se de passagem, comemorou 50 anos de vida este ano).
Nos clássicos de Natal portugueses, que não ficam em nada atrás da qualidade dos "Jingle Bells" e "We wish you a merry Christmas" deste mundo, destaca-se ainda o genial "Natal dos Simples" de José Afonso, gravado já na segunda metade do século XX. Na letra desta canção, pode-se ouvir uma referência ao "Cantar das Janeiras", que se realiza na Noite de Reis.

Por fim, nesta época do ano ouvimos ainda versões de êxitos natalícios internacionais, e as tão em voga músicas de Natal das rádios. Este ano, destaco a música de Natal da Rádio Comercial, uma versão de "All I want for Christmas", cuja letra (extremamente divertida!) fala da realidade portuguesa em 2008, obviamente tendo o Natal como a temática principal (e a divulgação da rádio...).

Bem, desejo a todos um óptimo Natal, repleto de música e sonhos (quer aqueles que surgem de Noite, quer os feitos pela avó Genoveva)!

*Interessados em obter todas as músicas mencionadas
neste artigo, deixem o pedido nos comentários.

segunda-feira, dezembro 22

Literatura: O manifesto do modernismo

Como já dito por motivos anteriores, a revista Orfeu, que registou duas publicações e se dedicava à divulgação cultural, era fiel aos princípios modernistas de Arte, e consistiu no marco significativo do começo desta corrente cultural no nosso país. A razão para as escassas edições desta revista advém de causa dupla: por um lado, persistia a resistência, tal como em todas as outras artes (música e artes plásticas, sobretudo), das formas e tendências outrora em voga e que assim pareciam poder permanecer, pelo perseverante gosto que captavam da população; por outro lado, também as divergências e carácteres dos seus fundadores promoveram o fracasso da revista a longo prazo. No campo das letras, os iniciadores do rumo modernista foram Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada Negreiros. A Geração de Orfeu, nome pelo qual são conhecidos os artistas que concretizaram o projecto modernista, constituída por autores de literatura e pintura, são aclamados frequentemente como o mais genial conjunto de artistas unidos que Portugal conheceu.
Na seguinte frase usarei a palavra "parcial" e prefiro justificar desde já o seu emprego: o insucesso da revista Orfeu foi parcial porque os seus efeitos assumiram-se na sociedade pela controvérsia que lançaram e pelo questionar frequente que as elites fizeram surgir em relação aos conteúdos artísticos. Regressando ao ponto primeiro das causas do parcial insucesso do Orfeu, contei a persistência das antigas correntes literárias, como o efémero neo-romantismo. Englobando todas as pequenas correntes que satisfaziam as classes leitoras, estas igualavam-se entre si pela linguagem e formas literárias que utilizavam na construção das obras. Um dos maiores nomes das letras era Júlio Dantas, grande senhor de Lisboa e apreciado pelas classes de relevo, que reagiu de forma agreste ao impulso que a Geração de Orfeu deu na revolução artística de inícios do século. Num jornal de grande importância da capital, Dantas fez publicar o seu desagrado, criticando os "rapazes, com muita mocidade e muito bom humor", que eram os fundadores da revista modernista. Como resposta, e em cariz provocatório, um manifesto que nasceu das mãos de Almada Negreiros, consagrado escritor e pintor, denominado Manifesto Anti-Dantas, representativo dos princípios revolucionários, do qual passo a transcrever um excerto.

Basta pum basta
Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi. É um coio d'indigentes, d'indignos e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero! Abaixo a geração! Morra o Dantas, morra! Pim!
Uma geração com um Datas a cavalo é um burro impotente! Uma geração com um Dantas à proa é uma canoa em seco! O Dantas é um cigano! O Dantas é meio cigano!
O Dantas saberá gramática, saberá sintaxe, saberá medicina, saberá fazer ceias pra cardeais, saberá tudo menos escrever que é a única coisa que ele faz! [...]

Almada Negreiros, o modernista da primeira geração com maior longevidade, viria a falecer em 1970 com 77 anos. É considerado um dos grandes artistas portugueses do século passado, mostrando-se sempre fiel ao seu ideário, tendo mesmo apoiado o regime do Estado Novo na sua política cultural que protegia os pintores inovadores do modernismo.

Agora que se conhece já o manifesto que fez vencer os fundamentos da nova corrente cultural, importa referir alguns dos aspectos que esta contrariou, sendo sensato um novo retrocesso na nossa cronologia. Assim, na próxima semana, aqui verão descrita a vida de Júlio Dantas. Bem hajam pela vossa atenção! (E não dêem importância indevida: vocês não são nenhum coio de indigentes, conforme hoje se escreve.)

sábado, dezembro 20

Cinema: A Arte de Manoel de Oliveira

Neste meu segundo artigo dedicado a Manoel de Oliveira, irei revelar-vos todos os trabalhos realizados pelo cineasta português, onde estrearam e algumas curiosidades.

A primeira realização de Manoel de Oliveira tem como titulo “Douro, Faina Fluvial”, de 1931.

Neste documentário o cineasta retrata a vida quotidiana dos portuenses nas margens do rio Douro. Estreou no cinema Tivoli como um complemento ao filme “Gado Bravo” de António Lopes Ribeiro, apenas em 1934. Apesar de todo o empenho de Manoel, o documentário não teve a adesão pelo público que esperava. Manoel de Oliveira, como comentário à sua primeira obra cinematográfica, diz “Procurava fazer do cinema um meio de expressão.”

Os próximos filmes que realizou, diz Manoel de Oliveira, realizou-os durante um período de pausa do seu trabalho. “Nessa altura não estava a trabalhar e os meus amigos pediam-me para fazer filmes. Aceitava, (…) Para enganar o tempo, nada mais.”

São eles:

  • “Estátuas de Lisboa”, 1932

  • “Hulha Branca”, 1932

  • “Miramar, Praia de Rosas”, 1938

  • “Já se Fabricam Automóveis em Portugal”, 1938
  • “Famalicão”, 1940


“Aniki-Bóbó” foi a primeira longa-metragem que o cineasta realizou. Este filme tem um carácter um pouco violento. Dai não ter sido aceite pelo público português. Nesta obra de Manoel de Oliveira realizada em 1942 retrata a vida de um triângulo amoroso infantil. Os dois rapazes ao longo da metragem tentam conquistar o coração da rapariga. Todavia, um dos moços sofre um violento acidente do qual é acusado o outro rapaz.

Para este filme, Manoel de Oliveira teve como inspiração a sua infância vivida cheia de aventuras. Também ele e a sua prima brincavam como os protagonistas desta sua longa-metragem.

Estreou-se no cinema Eden, no mesmo ano e elogiado por especialistas estrangeiros do cinema.

Após um estágio em Alemanha, quando regressou, Manoel de Oliveira aplicou tudo o que tinha aprendido no documentário “O Pintor e a Cidade”, em 1956. Neste documentário é-nos apresentada a cidade do Porto vista por nós, meros cidadão, e como o pintor António Cruz a vê, expressando através das suas aguarelas. Manoel de Oliveira diz ser esta “a obra fundamental da minha carreira, na mudança da minha reflexão sobre o cinema.”

Foi apresentado ao público no São Luís e no Alvalade em 1956. Foi aplaudido tanto pelos críticos portugueses como pelos estrangeiros.

Entre em 1958 e 1974 Manoel de Oliveira realizou outros filmes, sendo eles os seguintes:
  • “O Coração”, 1958 (inacabado)

  • “O Pão”, 1959

  • “O Acto da Primavera”, 1963

  • “A Caça”, 1963

  • “Villa Verdinho – Uma Aldeia Transmontana”, 1964

  • “As Pinturas do Meu Irmão Júlio”, 1965

  • “O Passado e o Presente”, 1971

  • “Benilde ou a Virgem Mãe”, 1974
Em 1978, Manoel de Oliveira realiza “Amor de Perdição”, outra obra envolvida de polémica. Esta longa-metragem é uma adaptação da obra literária de Camilo Castelo Branco. Após ter sido apresentado na RTP em seis episódios, foi considerado um ultraje à literatura portuguesa pela incompreensão do público português às inovações cinematográficas aplicadas por Manoel de Oliveira. Como muitas outras obras de Manoel, esta longa-metragem foi aceite pelos estrangeiros de bom grado. De certa forma, os portugueses ignoravam, uma vez mais, um grande talento português que teimou em fazer em Portugal as suas obras-primas.
Nos anos 80, Manoel realizou filmes como:
  • “Francisca”, 1981

  • “Visita ou Memórias e Confissões”, 1982

  • “Lisboa Cultural”, 1983

  • “Nice – À Propos de Jean Vigo”, 1983

  • “Simpósio Internacional de Escultura em Pedra”, 1985

  • “Le Soulier de Satin”, 1985
  • “Mon Cas/O Meu Caso”, 1986

  • “A Propósito da Bandeira Nacional”, 1987

  • “Os Canibais”, 1988

De 1990 a 1999 realizou:

  • "Non ou Vã Glória de Mandar” 1990

  • “A Divina Comédia”, 1991

  • “O Dia do Desespero”, 1992

  • “Vale Abraão”, 1993

  • “A Caixa”, 1994

  • “O Convento”, 1995

  • “E Un Poignée de Mains Amies”, 1996

  • “Party”, 1996

  • “Viagem ao Principio do Mundo”, 1997

  • “Inquietude”, 1998

  • “A Carta”, 1999

  • “A Vida e a Morte”, 1999

    Nesta década de 90, da lista acima que referi, destaco um filme: “Non ou a Vã Gloria de Mandar”, o que marca o inicio desta década.
Esta é uma longa-metragem de recordação do passado português. Apresenta-nos recordações da guerra colonial e uma reconstituição perfeita da batalha de Alcácer-Quibir. Esta longa-metragem é também uma reflexão de Manoel sobre os caminhos tomados pela história de Portugal e sobre a nossa identidade. Por isso, acho que é um filme importante para o nosso enriquecimento pessoal enquanto portugueses.

Na viragem do século, Manoel de Oliveira celebra o novo ano com a rodagem de “Palavra e Utopia”, 2000. Em seguida realiza “Porto da minha Infância” em 2001.
“Porto da Minha Infância” é um documentário realizado a pedido do produtor Paulo Branco com a finalidade de ser apresentado em Porto 2001, Capital Europeia da Cultura. Manoel enfrentou algumas dificuldades devida às transformações que estavam a ser realizadas na cidade. Contudo, o cineasta conseguiu contorna-las e viu assim um oportunidade de evocar a cidade da sua infância. Através de “Porto da minha infância” podemos ver uma cidade da primeira metade do século XX, diferente da que podemos vemos hoje. Vemos a cidade que apenas através das memórias de Manoel de Oliveira, presentes neste documentário, temos a oportunidade de ver.

Desde o inicio do século XXI, para além de “Palavra e Utopia” e “Porto da Minha Infância”, Manoel de Oliveira realizou outros filmes como:
  • “Vou Para Casa”, 2001

  • “O Principio da Incerteza”, 2002

  • “Momento”, 2002

  • “Um Filme Falado”, 2003

  • “O Quinto Império – Ontem como Hoje”, 2004

  • “Do Visível ao Invisível”, 2005
  • “Espelho Mágico”, 2005

  • “O Improvável não é Impossível”, 2006

  • “Belle Toujours”, 2007

  • “Rencontre Unique”, 2007

  • “Cristóvão Colombo – O Enigma”, 2007

  • “Singularidade de Um Rapariga Loura”, em rodagem.
Como podemos constatar, a vida de Manoel de Oliveira é rica em produções cinematográficas. Devemo-nos orgulhar deste artista que tanto se esforça por fazer produções cinematográficas inteiramente portuguesas e que merece cada prémio, cada aplauso e cada homenagem feita a si a às suas obras.
No meu próximo artigo irei apresentar-vos os filmes galardoados que recompensam cada esforço e empenho de Manoel de Oliveira na realização de todos os seus filmes.

quinta-feira, dezembro 18

Pintura: Carlos Botelho

Na semana passada apresentei-vos um pouco de Almada Negreiros concentrando-me na sua intervenção na “Política do Espírito” levada a cabo pelo SPN. Esta semana também vos apresento um pintor reconhecido que se associou a este projecto cultural: Carlos Botelho.

De nome completo Carlos António Teixeira Bastos Nunes Botelho, nasceu em Lisboa em 1899 e morreu, também em Lisboa, em 1982.
Carlos Botelho, considerado um homem versátil, simples, objectivo e directo, explorou desde a pintura à ilustração e caricatura.

Criado num ambiente ligado à música, só mais tarde envergou pela pintura estudando na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Porém rapidamente desistiu desta escola pois considerava a instrução oferecida muito ligada à pintura académica. Sendo assim decidiu praticar as suas técnicas sozinho.

A sua colaboração para o projecto cultural do Estado Novo foi das mais importantes, sendo nomeado pelo SPN colaborador na divulgação do Estado Novo Português.
Através do SNI (Secretário Nacional de Informação), antigo SPN, foi enviado em várias missões oficiais pelo estrangeiro projectando pavilhões portugueses nas exposições internacionais. A proximidade com o meio artístico de outros países contribuiu para o enriquecimento das suas obras.

No âmbito da política cultural do Estado, Carlos Botelho foi homenageado por dois importantes prémios, o “Prémio Souza-Cardoso” em 1938 e o “Prémio Columbano” em 1940.
Participou em várias exposições, sendo estas por ordem cronológica:
  • 1930, I Salão dos Independentes (Lisboa)
  • 1931, II Salão dos Independentes (Lisboa)
  • 1932, Exposição Individual de Pintura (Lisboa)
  • 1935, 1938, 1940, Exposições de Arte Moderna, SPN (Lisboa)
  • 1941, Exposição “Aldeia de Monsanto”, SPN (Lisboa)
  • 1943, Exposição Individual (Lisboa)
  • 1946, Exposição Geral de Artes Plásticas (Lisboa)

  • 1947, Exposição Individual (Paris)
  • 1950, XXV Bienal de Veneza (Veneza), Exposição Individual (Suíça) e Exposição “Vinte anos de pintura de Carlos Botelho”, SNI (Lisboa)
  • 1951, Exposição “Veneza-Lisboa”, SNI (Lisboa) e Bienal de São Paulo
  • 1952, Exposição “”Vinte Pintores Contemporâneos Portugueses” (Lisboa) e Exposição Individual “Carlos Botelho pintor de Lisboa” (Lisboa)
  • 1954, Exposição Galeria Domingos Alvarez (Porto)
  • 1955, II Bienal de São Paulo
  • 1958, Exposição Internacional de Bruxelas e Exposição “Obras recentes 1954/58” (Lisboa)
  • 1959, Exposição retrospectiva (Lisboa)
  • 1961, II Exposição de Artes Plásticas
  • 1965, Exposição Individual (Nova Iorque) e VIII Bienal de São Paulo
  • 1968, 1981, Exposição Individual (Lisboa)
  • 1986, Exposição comemorativa dos seus 50 anos de pintura (Lisboa)

As suas obras podem ser vistas em Lisboa no Museu do Chiado e no Museu Calouste Gulbenkian, e no Museu de Arte Moderna de São Paulo e Museu de São Francisco nos E.U.A.


terça-feira, dezembro 16

Música: Amália II - A Inesquecível Discografia Esquecida

Após uma curta biografia pré-anos publicada na semana passada, e ainda antes de passar a dois artigos sobre a vida e carreira da Fadista depois dos anos 50, decido aqui apresentar a discografia completa da Diva do Fado em tons de recomendação.

Nesta discografia encontram-se alguns dos maiores clássicos da música portuguesa de sempre. E é neste ponto que insisto:
Muitas pessoas esqueceram a importância cultural deste ser de talento feito, desta discografia imensa e lusitana. Os jovens não a conhecem, os que a conhecem não lhe dão o devido valor. Se pedisse na rua para me cantarem algo de Amália, muitos não saberiam o que cantar, por simples ignorância. Não condeno este desconhecimento acerca do maior ícone da música nacional. Porém não posso deixar de achar puramente inadmissível que Português que é Português não saiba sequer o ritmo contagiante das marchas lisboetas cantadas por Amália, nem conheça a letra genial de "Foi Deus", nem consiga relembrar o sentimento maravilhoso com que o "Barco negro" foi cantado...ou a "Estranha Forma de Vida", ou o "Povo que lavas no rio".
Estas jóias da música não podem ser esquecidas, porque nelas está expressa a essência de se ser Português, e de sentir saudades, e de ser contagiosamente alegre, e de chorar, e de amar!

E não são só estes clássicos referidos atrás de que é feita a obra de Amália. Esses são, digamos, os essenciais à cultura geral. Há muito mais. Arrisco dizer que haja centenas de gravações de Amália Rodrigues. Enquanto eu arrisco a dizer a quantidade de gravações de Amália, arrisquem vocês a ouvir algo dela. Faz bem aos ouvidos, ao corpo...e à alma.

A discografia (abaixo) poderá ser-vos útil nesta tarefa de descobrir o que de melhor se fez na música portuguesa do último século.

Discografia
Perseguição (1945)
Tendinha (1945)
Fado do Ciúme (1945)
Ai Mouraria (1945)
Maria da Cruz (1945)
Ai Mouraria 1951/52
Sabe-se Lá 1951/52
Novo Fado da Severa (1953)
Uma Casa Portuguesa (1953)
Primavera (1954)
Tudo Isto é Fado (1955)
Foi Deus (1956)
Amália no Olympia (1957)
Povo que Lavas no Rio (1963)
Estranha Forma de Vida (1964)
Amália Canta Luís de Camões (1965)
Formiga Bossa Nossa (1969)
Amália e Vinicius (1970)
Com que Voz (1970)
Fado Português (1970)
Oiça Lá ó Senhor Vinho (1971)
Amália no Japão (1971)
Cheira a Lisboa (1972)
A Una Terra Che Amo (1973)
Amália no Canecão (1976)
Cantigas da Boa Gente (1976)
Lágrima (1983)
Amália na Broadway (1984)
O Melhor de Amália - Estranha Forma de Vida (1985)
O Melhor de Amália volume 2 - Tudo Isto é Fado (1985)
Obsessão (1990)
Abbey Road 1952 (1992)
Segredo (1997)

Acredito que recomendar Amália, justificar essa recomendação e apresentar uma discografia para que possam descobrir por vós o prazer de ouvir Amália era mais premente que o prometido artigo sobre Amália pós-1950. Daí ter adoptado o seguinte esquema de vos apresentar Amália: 1ºAntes de 1950 (na semana passada); 2ºA Inesquecível Discografia Esquecida (esta semana) ; 3ºDepois de 1950 (dentro de duas semanas); 4ºOs últimos anos da lenda imortal(daqui a três semanas). Quanto à semana que se segue, poderão contar com um especial de Natal...e mais não digo.

segunda-feira, dezembro 15

Literatura: O percurso das letras

O anterior vazio dos meus conhecimentos acerca do período neo-realista findou e fundou no seu lugar uma vasta noção de conceitos e saberes. Escolhi, há tantas semanas que se tornaram meses, iniciar por esta época o percurso que vos desejo mostrar integralmente e fazer apreciar, por ocasião do aniversário do museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, cidade natal do maior nome: António de Alves Redol. Como na cronologia se tornou evidente, assim sucedeu com o meu estudo descobrir os limites próximos do dito movimento: em boa verdade, uma tendência que se estabelece como defensora da linguagem mais simples e directa, contrariando os desejos de mudança e apologia da mística da alma, assinalaria no futuro breve a sua morte. A literatura é uma arte, e isso faz dos seus escritos de uma elevação superior à dos textos jornalísticos... Precisa dos seus desafios constantes, precisa de alterações na sua concepção, precisa que se ignore a sua função fundamental e que se ignore uma fórmula de sucesso.

Entendem então como se ditou a morte do neo-realismo por todo o mundo ocidental: reconhecendo os seus limites, diferentes vultos, e entre eles os mais promissores escritores do neo-realismo, enveredaram por tendências inovadoras e que aprofundassem o sentir humano e a sua incapacidade de não ceder às imperfeições. Entre eles encontramos Vergílio Ferreira, que apostou na temática existencialista com enorme sucesso nos parâmetros de qualidade, e José Cardoso Pires.

Com a chegada de novos tempos e oportunidades, como a Revolução de Abril, a literatura esqueceu a sua função social e o livro tornou-se, cada vez mais, o espelho das mãos que o escrevem, isto é, o escritor introduz nas suas obras todas as características que tornam a sua escrita fluente, não reconhecendo qualquer importância aos pressupostos ou às tendências de outros colegas.

Porém, no início do século, persistia duradoura a batalha ideológica, no seio da comunidade intelectual, entre apoiantes da via romântica e da via realista, que se afirmara no século XIX: o romantismo havia sido cultivado por Garrett, Herculano e Camilo, enquanto o realismo, opondo-se ao anterior e congeminando pelo seu fim, representava os ideais literários de Antero de Quental e Eça de Queirós. Este último, maior vulto do movimento realista, deixou o mundo literário e o mundo físico no ano de 1900, deixando um vazio no seu lugar, que foi ocupado por nomes que defendiam um regresso ao romantismo, o chamado neo-romantismo que nunca se afirmou grosso modo. Destaca-se Júlio Dantas neste período, e depressa o modernismo estabeleceu-se como a vanguarda cultural que se prometia pela mudança de século e tensões sociais que aterrorizavam a Europa entre 1910 e 1920. Com a revista Orpheu e Presença, a produção literária cingiu-se à poesia. O romance só regressaria em força com o neo-realismo, que nos anos 30, até aos anos 50, preconizavam a abordagem dos conflitos sociais, motivados pelas alterações políticas europeias e instituição de regimes ditatoriais, inclusive em Portugal.

Na próxima semana, explorando este percurso, publicarei o manifesto Anti-Dantas, que revolucionou o pensamento português e lançou o modernismo em Portugal.

sábado, dezembro 13

Cinema: O Centenário do Mestre Oliveira

Os próximos artigos que vos irei escrever serão destinados à vida, à carreira de Manoel de Oliveira. É ao centenário cineasta português a quem vou dedicar os meus próximos artigos. Espero que conheçam e gostem do grande génio que nasceu português. Neste primeiro artigo irei apresentar-vos a vida pessoal do cineasta.


Manoel de Oliveira não só teve uma vida recheada de sucessos cinematográficos como também viveu momentos importantes do nosso país. Presenciou momentos históricos, culturais e políticos.

Manoel Cândido Pinto de Oliveira nasceu no Porto, dia 11 de Dezembro de 1908, ou seja, há 100 anos comemorados há poucos dias. Frequentou, em finais dos anos 20, a escola de actores criada no Porto pelo realizador Rino Lupo. Na sua adolescência dedicava-se ao desporto. Praticou atletismo e ginástica e foi vice-campeão durante três anos de salto à vara. Devido às suas vitórias foi modelo do escultor Henrique Moreira para a realização da estátua O Atleta. Oliveira era também apaixonado por carros participando em corridas tanto em Portugal como no Brasil.

A sua paixão pelo cinema começou quando em 1913, com 5 anos, o seu pai o levou a ver o seu primeiro filme. Em 1928 tive a sua primeira participação no filme “Fátima Milagrosa” de Rio Lupo. Aqui começava o seu gosto pelo cinema e pela carreira de actor, especialmente de comédia. Em 1933 participou, ao lado de Vasco Santana, no filme “Canção de Lisboa”, de Cotinelli Telmo, do qual é o único que ainda está vivo.

A 4 de Dezembro de 1940 Manoel de Oliveira casa-se com Maria Isabel Brandão Carvalhais. Assumindo outras responsabilidades, abandona as competições desportivas e os carros.

Dois anos depois, Oliveira realiza da sua primeira longa-metragem Aniki-Bobó, que não obtêm sucesso em Portugal e sem subsídios para filmar, dedica-se, durante os próximos 14 anos, ao negócio de família e à agricultura numa quinta da sua mulher.

Apenas volta à realização cinematográfica em 1956, após um estágio na Alemanha onde estudou o cinema com cor e onde adquiriu aparelhos cinematográficos, realizando depois “O Pintor e a Cidade”.

Em 1963 foi detido pela PIDE, o que deu origem a dois baixos assinados para que a sua libertação ocorresse. Em 1976, Manoel de Oliveira foi obrigado a fechar a sua fábrica de passamanaria, que herdou do seu pai, devido à invasão do PREC. Assim teve de vender a sua casa e regressar ao cinema para pagar as suas dívidas.

Neste seu regresso ao activo fez a adaptação de “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco e a partir de 1978 nunca mais parou de realizar os seus excelentes filmes até aos dias de hoje. Na comemoração do seu centenário, o cineasta estava, e ainda está, a realizar “Singularidade de uma Rapariga Loura”.

A sua morte, que espero ser só daqui a alguns anos, irá ficar marcada pela exibição de um filme. Manoel de Oliveira deseja que o filme “Visita ou Memórias e Confissões” apenas seja exibido após o fim da sua vida produtiva de filmes extraordinários e estimulantes de recordações e sentimentos.
No meu próximo artigo irei revelar-vos todos os documentários, curtas e longas-metragens realizadas por Manoel de Oliveira.

quinta-feira, dezembro 11

Arte Popular: Gastronomia Tradicional

Almeirim – Sopa da Pedra

Ingredientes: (para 8 a 10 pessoas):


  • 1 litro de feijão encarnado ;

  • 1 orelha de porco ;

  • 1 chouriço negro (de sangue da região) ;

  • 1 chouriço de carne ;

  • 150 g de toucinho entremeado ;

  • 750 g de batatas ;

  • 2 cebolas ;

  • 2 dentes de alho ;

  • 1 folha de louro ;

  • 1 molho de coentros ;

  • sal e pimenta

Confecção:

Se o feijão for do ano, não necessita ser demolhado. Se for duro, põe-se de molho durante algumas horas.
Escalda-se e raspa-se a orelha de porco.
Leva-se o feijão a cozer em bastante água juntamente com a orelha, os chouriços, o toucinho, as cebolas, os alhos e o louro.

Tempera-se com sal e pimenta. Se for necessário juntar mais água, deve ser sempre a ferver.
Quando a carne estiver cozida, retira-se e introduzem-se na panela as batatas cortadas aos quadradinhos e os coentros picados. Deixa-se cozer a batata.
Assim que se retirar a panela do lume, introduzem-se as carnes previamente cortadas aos bocadinhos e uma pedra bem lavada, que deve ir na terrina.


Artigo que deveria ter sido colocado no dia 5 de Dezembro.

quarta-feira, dezembro 10

Pintura: Almada Negreiros, um mestre do modernismo

Seguindo a linha da introdução feita na semana anterior, hoje vou vos apresentar um dos pintores mais colaboradores com o SPN (Secretário da Propaganda Nacional) e dos mais importantes do modernismo: Almada Negreiros.

Almada Negreiros, de nome completo José Sobral de Almada Negreiros, nasceu em São Tomé em 1893 e morreu em Lisboa no ano de 1970, curiosamente no mesmo quarto de Hospital onde tinha morrido Fernando Pessoa.

Almada Negreiros foi uma artista multifacetado, não se dedicou somente à pintura, tendo também sido escritor, poeta, dramaturgo, ensaísta e romancista. Ficou conhecido, na pintura, por obras como os painéis “Gare Marítima de Alcântara e da Rocha Conde de Óbidos”, e “Maternidade” e, na literatura, com “Manifesto Anti-Dantas”.

A sua colaboração com Estado Novo deveu-se principalmente ao seu apoio ao ideário fascista, que provinha da influência dos ideais futuristas. A sua primeira obra para o SPN foi um cartaz de propaganda que apelava ao voto na nova constituição (primeira imagem do artigo “Pintura: A Arte do Regime”). Entretanto foi encarregado de outras obras como os vitrais do Pavilhão da Colonização da Exposição do Mundo Português.

Como Homenagem aos seus Trinta Anos de Desenho organiza uma exposição das suas obras e é lhe atribuído o Prémio Columbano. Este prémio torna-se um pouco irónico tendo em conta o facto de Columbano ser considerado o mestre do Naturalismo, enquanto que Almada seria um dos mestres do Modernismo ou seja um homem de rupturas.

A partir desta altura é que Almada Negreiros dedica-se principalmente à pintura e ao desenho, elaborando obras como os vitrais da Igreja de Nossa Senhora de Fátima (que o público não aprecia, na medida em que põem em causa alguns valores tradicionais), o famoso retrato de Fernando Pessoa, entre outras.

Com 75 anos elabora os seus últimos trabalhos: Painel “Começar” na Fundação Gulbenkian e os frescos da Faculdade de Ciências de Coimbra.

terça-feira, dezembro 9

Música: Amália I - Os primeiros anos/Nascendo uma diva

No mês da estreia do primeiro filme sobre a diva do Fado, importa dar a conhecer aos menos conhecedores da vida da artista os primeiros passos na carreira musical e os primeiros anos da vida de uma fadista que viria a ser a lenda do Fado. E as palavras da própria Amália ilustram bem este início de uma história que se revelaria longa...


"Dizia-me a minha família que aos 4 anos já ganhava a vida a cantar, pelas vizinhas que diziam, "ó Amália anda cá, canta lá esta". E eu cantava. E depois lá pelos 7, 8 anos comecei a ouvir as vizinhas lavar a roupa na selha e cantar o Fado, que eu não sabia o que era Fado. Depois, aos meus 12 anos comecei, já internacional, a cantar os tangos do Gardel, que ouvia nas fitas, e vinha para casa sem saber o que dizia, mas ouvia o som, o som das palavras soava-me como parecia que era, e quase que era, porque no fundo como sabe a língua espanhola é muito parecida com a nossa, e para quem tem um ouvido e um poder dedutivo entende mais depressa do que uma pessoa que não tem ouvido, nem esse poder. Então, eu quase que imediatamente aprendia as coisas. E então cantava o Carlos Gardel todo. "
Consta que aos 15 anos Amália, ao vender fruta pelo Cais da Rocha de Alcântara, com a família, é notada no bairro pelo seu timbre de voz especial, o que leva a que a escolham para solista da Marcha de Alcântara, estreando-se em 1936 nas ruas de Lisboa, ficando as marchas populares no seu reportório.

É o ensaiador da Marcha quem insiste para que Amália se apresente no Concurso da Primavera, organizado para descobrir uma nova cantadeira. Porém, Amália acaba por não concorrer, pois as outras participantes recusam-se a competir com ela. Entretanto, também durante esses ensaios, é notada por um assistente que a recomenda a Jorge Soriano, director da casa de fados mais famosa da época, Retiro da Severa. A audição é um sucesso, mas, com a família contrariada, Amália acaba por não aceitar o convite.

Estreia-se finalmente no Retiro da Severa, em 1939, acompanhada por Armandinho, Jaime Santos, José Marques, Santos Moreira, Abel Negrão e Alberto Correia, interpretando três fados.
O êxito no Retiro da Severa pega como um rastilho e espalha-se por Lisboa e de um momento para o outro, todos querem ouvir esta nova cantadeira, e todas as casas de fado a querem contratar. Amália torna-se rapidamente cabeça de cartaz. Num espaço de poucos meses, Amália passa também a actuar no Solar da Alegria e no Café Luso. Até essa altura, Ercília Costa, Berta Cardoso, Hermínia Silva e Alfredo Marceneiro eram os ídolos máximos do fado, mas com a aparição de Amália tudo se vai modificar.

A fama cresce, e Amália torna-se na favorita dos portugueses. Por onde actua faz esgotar lotações; os preços dos bilhetes sobem mal é anunciada. Em poucos meses atinge uma popularidade tal que o seu cachet é de longe o maior até então pago a uma fadista. Tão rápido é o êxito de Amália nos retiros fadistas que logo a chamam para o teatro. Estreia-se em 1940, como atracção da revista "Ora Vai Tu", no Teatro Maria Vitória...Depois disto, muitas mais glórias viriam...mas isso é história para outro artigo...

Agradecimentos: www.amalia.com

segunda-feira, dezembro 8

Literatura: Olhos de Água II

Como a conceberam seria mais um salão de festas do que uma artéria, onde aquela sociedade secreta faria desfile dos seus privilégios e dos seus prazeres. E talvez a vila não tivesse o ar melancólico que ganhou, embora haja ainda uma razão histórica para que pareça de castigo aos olhos de quem precisa de a atravessar. É que em tempos recuados foi sede de concelho - lá está no largo principal o antigo edifício da Câmara, com brasão de pedra mole sobre portão chapeado -, e agora vinga-se dela a outra vila que detém o ceptro municipal, por recalcados vexames dos seus anos de submissão.

Foram os notáveis da terra, quase todos lavradores, que abriram as portas a esta derrota, ao moverem influências para que uma fábrica não viesse instalar-se dentro dos seus muros.

Julgaram as pessoas ingénuas desse tempo que o facto provinha de a fábrica ter chaminé, de a chaminé deitar fumo e de o fumo poder enfarruscar as cortinas e as filhas dos lavradores. Hoje, porém, muitos afiançam que a fábrica não nasceu ali para que os camponeses, atraídos pelas dez horas de trabalho e pelos salários mais altos, não abandonassem os campos de lavoira. Nisso sobejava-lhes a prevenção, pois os de ganga já desfrutam férias e oito horas de tarefa, enquanto os seus irmãos do campo ainda se esfalfam gloriosamente, salvo seja!, na canga do sol a sol.

A verdade é que a chaminé e o fumo caíram no vilar que ficava a uns quilómetros; e como havia que tirar proveito da electricidade ali montada, juntaram-se-lhe outras fábricas, e logo o poder económico do concelho se escapou do burgo agrário e tradicionalista para o centro industrial. Atrás disso, que parecia coisa sem importância, foram-se o título de sede concelhia, o tribunal, a secção de finanças e o posto da Guarda Republicana. Daí a neurastenia profunda em que hoje vemos debater-se uma terra que teve brasão e quis ser cidade.

Desprevenido destas questiúnculas dos homens, só o rio lhe permaneceu fiel, sem a poder abandonar; e ficou para lhe remir a chateza urbana, embora seja um rio velho e relho, esquecido dos vigores da mocidade. Mesmo assim, a gente da vila corre para as suas margens, talvez porque as estradas de água falam de aventuras pelo mundo, ou por certa curva sinuosa que o rio abre à beira do casario, como se quisesse agarrar-se às pedras do cais e ao aconchego do ancoradouro, onde repousam barcos de proas pintadas com flores estranhas, que só os poetas conhecem, e donde nascem, à noite, vozes encharcadas de plangências árabes para adormecer as estrelas.

Mesmo defronte, na outra margem, fica o corpo espalmado da Lezíria, todo cerzido por veias de água emprestadas pelo rio.

A vila mora da banda dos Montes, mas tem o coração na Lezíria. E dela lhe vêm as searas de pão e de luto, as histórias selvagens dos toiros feros e a garridice azougada dos fandangos.

E a lembrança já indecisa de certas lendas...

E é este, que aqui termina, o integral primeiro capítulo desta obra neo-realista que tem vindo a não ser completamente esquecida. Nele podemos apreciar a fluidez do autor, que se mostra capaz de abordar imensos assuntos ligando-os sempre entre si e com um objectivo descritivo debaixo de olho, do qual nunca abdica. Se a verdade que me importa lançar agora é a de ter terminado com este artigo o estudo do neo-realismo, será útil limar certas arestas quanto a este tema e esta época histórica. O neo-realismo, mais do que contra um movimento cultural anterior, reagiu contra a sociedade portuguesa da altura e, em particular, contra o regime ditatorial. Na literatura a evolução foi esta de não se conformar com o regime em vigência, contrariando o geral de artes como a pintura ou o cinema, cujos principais artistas apoiaram o Estado e contribuíram para desenhar um país perfeito de gentes submissas governadas pelas elites mais adequadas.

Na próxima semana terei entre mãos a tarefa de construir uma ponte sólida que nos ligue a um tema novo que nos ocupará muitas e boas semanas.

sábado, dezembro 6

Cinema: No cinema com... Amália Rodrigues

A propósito do filme que estreou na passada 5ª feira, dia 4 de Dezembro, sobre a vida da fadista Amália Rodrigues trago-vos esta semana um artigo direccionado para os filmes em que a fadista participou e que davam mais ênfase aos seus talentos musicais.

A sua carreira teria começado não em 1947 com o filme “Capas Negras”, mas sim no filme “O Pátio das Cantigas”. Contudo, a sua participação foi negada sendo assim adiada a sua estreia no filme “Capas Negras”.

O filme “Capas Negras” foi realizado em 1947 por Armando de Miranda. A sinopse desta primeira longa-metragem com a participação de Amália Rodrigues baseia-se na vida repleta de percalços de Maria de Lisboa, sendo primeiro abandonada pelo namorado por desconfianças de traição e mais tarde acusada em tribunal do abandono do seu filho. Por ironia do destino é o homem que a abandona que no fim a julga em tribunal pelo que é acusada.

Esta longa-metragem estreou no cinema de Condes, em Lisboa, a 17 de Maio de 1947 e foi um sucesso de bilheteira estrondoso pelos 6 meses em cartaz e os mais de 200 mil espectadores.

A sua próxima participação, igualmente bem sucedida, foi “Fado – História D’Uma Cantadeira”, longa-metragem de Perdigão Queiroga também do ano 1947. Este filme, em linhas gerais, vai de encontro com a vida real de Amália Rodrigues que dá vida à protagonista Ana Maria. Ana Maria apesar de todo o seu sucesso cantando fado encontra-se apaixonada por Júlio Guitarrista que mais tarde decide partir para África.

A estreia desta longa-metragem é no Trindade em 16 de Fevereiro de 1947. É também um grande sucesso de bilheteiras tal como o filme de estreia da fadista, mantendo-se em cartaz durante 26 semanas. Neste filme podemos ver também outros actores de renome como António Silva e Vasco Santana.
O filme seguinte com a participação da fadista é “Vendaval Maravilhoso”, longa-metragem de Leitão de Barros de 1949. Esta longa-metragem não teve tanto sucesso como os anteriores. O público esperava ver a fadista cantar maravilhosos fados, e em vez disso este filme retrata com mais realce a abolição da escravatura.

Esta longa-metragem é estreada no Tivoli a 26 de Dezembro de 1949.

A próxima realização privilegiada com a presença, desta vez segundária, da cantora é “Les amants du Tage” (“ Os Amantes do Tejo”), em 1955 e realizado pelo francês Henri Verneuil. A escolha da cantora para o papel deu-se pelos seus dotes vocais e pela sua popularidade.

“Sangue Toureiro” foi o próximo filme português protagonizado por Amália Rodrigues. É um filme de Augusto Fraga e realizado em 1958. Esta produção apresenta-nos a seguinte história: Eduardo e Maria da Graça rumam a Lisboa fugindo da imposição do pai de Eduardo a que este segue a carreira de toureiro. Todavia, a necessidade de dinheiro obriga-o a ir para a arena enfrentar os touros. Maria da Graça deixa Eduardo voltando à sua terra e Eduardo encontra a sua verdadeira noiva e acabando por cuidar das terras de seu pai.

Este filme estreou no Cinema Condes, em Lisboa, a 7 de Março de 1958.

Em 1964 Amália foi um outra vez protagonista, desta vez do filme “Fado Corrido”, realizado por Jorge Brum do Canto.

Este filme como também o “Sangue Toureiro” não tiveram a simpatia por parte da fadista sobre os quais disse que criavam “uma presença completamente diferente de mim”. Contudo, a cantora participou nos filme pela grande amizade que matinha com ambos os realizadores.

O último filme em que Amália Rodrigues participou foi “As Ilhas Encantadas”, realizado por Carlos Vilardebó em 1965.

Este filme não teve sucesso entre o público. Todavia, Amália Rodrigues ganhou o prémio de Melhor Actriz, na participação desta longa-metragem.

quinta-feira, dezembro 4

Pintura: A Arte do Regime

Ao longo dos últimos artigos, tenho vindo a informar-vos acerca de pintores importantes para o início do século XX e, mais recentemente, de outras formas de pintura como a banda desenhada e o cartoon.

Para continuar o percurso histórico destes artigos, após vos ter apresentado alguns pintores protagonistas do modernismo, irei hoje começar uma introdução referente ao papel da pintura no Estado Novo.

Muitos pintores modernistas foram também importantes protagonistas da “arte oficial” do Estado Novo, como é exemplo Almada Negreiros e outros de quem falarei nos próximos artigos.

Durante o Estado Novo o SPN (Secretário da Propaganda Nacional) dirigido por António Ferro, implementou um projecto cultural denominado “Política do Espírito”. Este projecto tinha como principal finalidade, com uma aproximação mais cultural do povo, mediatizar o regime através da propaganda.

Este projecto beneficiava os artistas que colaboravam com o regime e com a “Política do Espírito”, patrocinando-os.

Apesar do conservadorismo característico deste regime autoritário, António Ferro, grande apreciador do modernismo, atraiu muitos pintores modernistas que, com a criatividade sujeita às exigências do regime, fizeram da pintura umas das artes que mais colaboraram com a propaganda política do Estado Novo.

segunda-feira, dezembro 1

Arte Popular: O jogo da malha

O jogo da malha é o mais jogado e falado pelas pessoas de mais idade. Este jogo consiste em derrubar o pino ou colocar a malha mais perto do pino onde se encontra a outra equipa. Uma breve explicação:

Material:

Quatro malhas de madeira, ferro ou pedra (duas para cada equipa); dois pinos (paus redondos que se equilibrem na vertical);

Jogadores:

Duas equipas de dois elementos cada;

Desenvolvimento:

Num terreno liso e plano, são colocados os pinos na mesma direcção, com cerca de 15/18 metros entre eles. Cada equipa encontra-se atrás de um pino. Joga primeiro um elemento de uma equipa e depois um da outra, tendo como objectivo derrubar os pinos ou colocá-lo junto do pino da equipa adversária, lançando a malha com a mão;

Pontuação:

6 pontos para cada derrube, 3 pontos para a malha que fique mais perto do pino. A primeira equipa a chegar aos 30 pontos ganha. Uma part
ida pode ser composta por três jogos mínimo, uma equipa para ganhar tem de ganhar dois.
Este artigo deveria ter sido colocado no dia 28 de Novembro (sexta-feira). Por falta de oportunidade, não consegui colocá-lo. Com as minhas sinceras desculpas.

Literatura: Olhos de Água I

Na semana que acaba de começar, e perdoem-me com a vossa graça os opostos que emprego, e naquela que a esta se seguirá transcreverei para este nosso espaço o primeiro capítulo de uma obra de grande qualidade que escolhi entre várias. Tal obra que complementa o rol de artigos que tenho apresentado é "Olhos de Água", do autor Alves Redol. Como subtítulo deste livro surge "Pequeno romance de uma vila sem história". O primeiro capítulo apresenta-nos o aspecto geral da vila - o espaço da acção, pelo que é predominantemente descritivo, se bem que de um modo que foge ao regular. Notem a linguagem do neo-realismo português.

Se não fosse o rio, e certa gente que lá mora, a vila seria uma terreola sonolenta e bronca, perdida no nevoeiro duma vulgaridade sem história. Nasceu para ali, entre a chã e a montanha, num improviso sem génio nem beleza, e ainda à mercê da caturrice de vereações camarárias, que nela fizeram terreiro de birras comezinhas: se vinha uma que a puxava para um lado, entendendo que o burgo devia ganhar altura para lavar os pulmões, chegava outra que a fazia encafuar na parte baixa, junto aos lodos do rio, talvez com mágoa de a não poder encarcerar numa masmorra.

E a vila ficou desengonçada, aos deus-dará da sorte, como um fantoche ao abandono. De olhos postos no chão, ou de costas voltadas para o Tejo, dessorou-se por ruas vesgas e travessas sem destino, só porque os vereadores, ou os seus apaniguados, tinham quintal para hortos e pomares, e não era lícito prejudicar-lhes o afecto em proveito das passadeiras colectivas.

Para que o progresso não fosse palavra à margem do dicionário do burgo, tentaram abrir-lhe, certo dia, uma artéria mais larga, à custa do poisio de um presidente de junta demitido por questões políticas. E a rua ganhou proporções, com a sua faixa um nadinha enfartada e dois passeios, onde cabiam três pessoas, de ombro com ombro, em cada um.

Ufano daquela súbita abastança, o gentio acorreu a admirar as obras, discutiu-as com calor e deu-se a comparações com outras vilas ribeirinhas, acabando por impor uma comissão de festas, que organizou um arraial no largo com música e foguetes de lágrimas. Mas como o dono do poisio se não deu por vencido e jogou os seus votos na altura própria, acendeu-se-lhe candeia junto do governador civil, o qual, apressado em estabelecer tréguas, chamou à pedra o presidente da edilidade concelhia. E a rua mirrou-se, fez duas fintas apertadas, como se escapasse às investidas de um toiro espicaçado, e lá seguiu, com ripanços e ademanes, para se extinguir, num fio de azeite, no largo da praça.

E foi pena, porque a aristocracia rural ficou prejudicada no seu palco para exibição de cavalos e carruagens, bem como as senhoras, que têm de se debruçar em demasia para verem a carreira empolgante das esperas de toiros.

Daí lhe ter vindo o nome de Rua Arrependida, com que ainda hoje a conhecemos, apesar de lhe oferecerem o título pomposo de um capitão das Índias, que ninguém entendeu decorar, a não ser os carteiros, por dever de ofício.