Desfasamento das tendências mundiais / Primeiros projectos
Em 1974 o mundo rendia-se ao Rock de David Bowie, Rolling Stones, Genesis e à intensidade futurística dos Kraftwerk... É claro que estes álbuns rodaram então em gira-discos portugueses, mas o protagonismo do Portugal musical desse ano acolhia antes a explosão «legal» da canção de intervenção, muita dela com raízes numa ideia de música moderna portuguesa que nasceu entre finais de 60 e inícios de 70 com nomes como os de José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Fausto, Luís Cília, Vitorino e alguns outros mais. A esta nova voz, que expressava a urgência de um discurso político, aderiram as mais diversas gerações de consumidores de música, incluindo os mais jovens, que ali encontravam uma linha paralela ao sentido de rebeldia e desejo de revolução que é característico da idade... E, perante a força social e mediática da canção política e de uma vaga imediatamente posterior de procura de identidade em manobras de recolha pela música tradicional (por oposição ao folclore de propaganda do antigo regime), a ânsia pop/rock era secundarizada. No entanto, o Rock de terras lusas começava a nascer.
Comecemos pelo final dos anos 60, quando chegam os primeiros projectos verdadeiramente marcantes do Rock português. Entre 1969 e 70 estreiam-se em álbum nomes como a Filarmónica Fraude, Pop Five Music Incorporated e o Quarteto 1111. De inícios de 70 data ainda a entrada em cena de nomes como os Objectivo, Petrus Castrus ou Smoog. Todavia, as regras da época traçavam a estes nomes uma vida essencialmente marginal. Nasceram ainda projectos e aventuras em meados e finais de 70, em bandas como os Tantra, Arte e Ofício, Psico ou Beatnicks. Sem o filtro aplicado no passado escutava-se e consumia-se mais pop/rock de terras de Sua Majestade.
A dificuldade em se ser rockeiro em Portugal
A temperatura do clima político interferiu, portanto, no gosto do consumidor de música e nas opções das editoras discográficas, que mantinham ainda, salvo pontuais excepções, sinais de desconfiança face ao Rock português. Depois de dois anos de intensa exploração da canção política, a ressaca musical manifestou-se num reencontro com a canção ligeira, cedendo espaço a nomes como os Gemini, Cocktail, Doce, José Cid ou mesmo, mais tarde, Marco Paulo.
Júlio Pereira, um dos nomes incontornáveis da música popular portuguesa, que na década de 70 deixou a sua marca em grupos como os Petrus Castrus e os Xarhanga, refere que a missão Rock no Portugal pré-25 de Abril era praticamente impossível: «Estar no Rock nesse tempo era difícil porque muitas vezes acarretava desavenças com a família, com a escola, com os vizinhos e... sobretudo com a polícia...». De facto, logo em 1970, o extremar de posições das autoridades em relação à música ficou claro. No Verão desse ano, um festival em Oeiras, onde deveriam apresentar-se grupos de Rock e alguns cantores como Zeca Afonso, mereceu das autoridades policiais uma forte repressão. A História provou, no entanto, que não se podia parar no tempo e, no ano seguinte, Vilar de Mouros recebeu o primeiro Festival de Rock do nosso país e provou que havia uma nova geração a vibrar com este pulsar eléctrico.
A influência do 25 de Abril no percurso do Rock
“O 25 de Abril foi um marco importante na vida dos portugueses. Mas para o Rock trouxe uma regressão porque as pessoas associaram o estilo de música anglo-americana ao imperialismo”, afirma Filipe Mendes. Júlio Pereira tem outra visão da revolução de 74: “até lá odiava música popular. E não havia em casa o hábito de ouvir fado. O 25 de Abril proporcionou-nos a possibilidade de conhecer muitos sons de instrumentos e vozes da nossa tradição musical”. Outra das coisas que a Revolução dos Cravos proporcionou, pois claro, foi liberdade, valor sem o qual o punk nunca teria surgido em Portugal. Antes do 25 de Abril, um grupo como os Aqui d’El Rock não poderia existir. Só a conquista de liberdade em 74 tornou possível o aparecimento de um grupo deste género. Outrora isso não poderia acontecer, já que qualquer músico Rock que se preze não pode conviver com a censura à sua arte. O primeiro single dos Aqui d’El Rock, datado de 1978, tinha por título «Há Que Violentar o Sistema» e foi uma das primeiras consequências da chegada dos revolucionários ventos punk a Portugal.
Apesar de tudo, não foi logo após o 25 de Abril que se deu o “bang” Rock português. A grande mudança acontece apenas com a alvorada de 80, ultrapassada finalmente a etapa de mais intensa relação do mercado do disco com a canção de intervenção. Nesta época vive-se, então, o aparecimento de grandes nomes como Rui Veloso, GNR, UHF ou Táxi, sendo eles personificação da explosão de entusiasmo juvenil que o resto do mundo havia conhecido nos dias de 60. Aos poucos, o Portugal musical caminhava no sentido da integração europeia.
A explosão do Rock
Nos anos 80 surgem nomes a solo como Rui Veloso e António Variações, e aparece uma imensidão de bandas, quase todas efémeras, como os Trabalhadores do Comércio, Táxi, Roquivários, Grupo de Baile, Salada de Frutas, Táxi ou Heróis do Mar, sendo estas algumas das bandas que agitaram o panorama nacional chegando aos topo das tabelas de vendas, provando que havia mercado para este tipo de Rock comercial, captando a atenção quer dos media, quer do público em geral.
Foi neste momento de sucesso repentino do Rock, após algumas tentativas ligeiras de revolução musical, que apareceram inúmeras bandas, de entre as quais se destacam os Xutos & Pontapés (a mais simbólica de todas), lançando o seu álbum de estreia 1978/82. Estes demonstram existir uma verdadeira mudança na forma de tocar Rock em Portugal, através da instituição de um estilo próprio e de espantosas actuações ao vivo.
Também em 1982 saltam para a ribalta os GNR, oriundos do Porto, criando uma grande legião de fãs, dois anos após a formação da banda, com o lançamento do single "Portugal na CEE". Porém só em 1986 é que saltaram para as tabelas de vendas com o álbum Psicopátria, tendo sido, vários anos depois, em 1992, a primeira banda nacional a encher um estádio de futebol, num concerto ao vivo, com cerca de 40.000 espectadores.
A evolução estava garantida, através de um sem número de bandas, como os UHF, Rádio Macau ou Mão Morta, e pela continuidade de veteranos como os Xutos & Pontapés, levando o Rock
Português em direcção aos anos 90.
Conclusão
Em suma, esta “Rockvolução” pode-se dividir em 3 etapas
- Até 1974
Marcada pelas tentativas várias de se fazer Rock português, tentativas essas abafadas pela repressão, pelas editoras discográficas mais interessadas no Fado e nos intérpretes do movimento nacional-cançonetista, e pelo protagonismo mediático da música de intervenção, de combate às tendências musicais do Estado Novo;
- De 1974 aos anos 80
Maior abertura causada pelo 25 de Abril e fim da censura, que permitem, por exemplo, a ascensão do punk e a maior sinceridade nas letras. Nesta época, o Rock lusitano ainda não era apoiado pelas massas, já que a população, com tendências de esquerda e/ou medo de uma regressão no estado político, social e cultural do país pós-Revolução dos Cravos, identificavam o Rock como sendo algo anglo-saxónico, e assim, imperialista, característica nada louvável depois do 25 de Abril.
- Dos anos 80 até hoje
O surgimento de artistas e bandas com um carisma tal, que as editoras discográficas e a população portuguesa se interessam pelo seu trabalho, como por exemplo Rui Veloso, GNR, Trabalhadores do Comércio, Xutos & Pontapés, António Variações, leva a uma verdadeira explosão de sons importados de fora, mas com essência nacional. O Rock surge assim como uma fuga à música de cariz tradicional e “apenas portuguesa", internacionalizando-se, sempre com os pés nas suas raízes, tendo esta "Rockvolução” dos anos 80 tido repercussões nas duas décadas seguintes.