terça-feira, fevereiro 17

Música: Nacional-Cançonetismo

Primeiro que tudo, importa realçar que a abordagem deste conceito musical me foi sugerida por um colega, sendo que eu já conhecendo um pouco o termo, optei por pesquisar um pouco mais e dar à luz este artigo.
O Nacional-Cançonetismo é uma expressão utilizada em termos musicais, para definir as canções e o género de música que o regime ditatorial do Estado Novo em Portugal, promovia e incentivava, quer na rádio, quer na televisão.

Conheceu o seu auge nos anos 60, em figuras que pinguepongueavam entre si a hegemonia deste género de música, no feminino com Madalena Iglésias e Simone de Oliveira, e no sexo oposto com António Calvário e Artur Garcia (abaixo).



O objectivo deste tipo de música era iludir através das banalidades cantadas, a situação do país, isto é, tornando o cenário opressivo e miserável português, numa concertina cor-de-rosa e fútil. Pretendia ainda incutir valores nas pessoas, tendo como temas principais "o pobre mas honrado", a luta pela pátria, a casa portuguesa, que eram divulgados e ajudavam a construir uma ideologia que assentava na apatia e humildade das populações. A par do Fado para exportação, o Nacional-Cançonetismo foi um dos muitos veículos que o Estado Novo usou para fazer prevalecer a sua ideologia.

Nos finais de 60, inícios de 70, surgiu o contraponto musical, a música de intervenção, movimento encabeçado por José Afonso. Acerca do surgimento desta última e do estar em voga do Nacional-Cançonetismo, José Afonso chegou a dizer:

"Numa viagem que fiz a Coimbra apercebi-me da inutilidade de se cantar o cor-de-rosa e o bonitinho, muito em voga nas nossas composições radiofónicas e music-hall de exportação. Se lhe déssemos uma certa dignidade e lhe atribuíssemos, pela urgência dos temas tratados, um mínimo de valor educativo, conseguiríamos talvez fabricar um novo tipo de canção cuja actualidade poderia repercutir-se no espírito narcotizado do público, molestando-lhe a consciência adormecida em vez de o distrair. Foi essa a intenção que orientou a génese de "Vampiros", entidades destinadas ao desempenho duma função essencialmente laxante ao contrário do que poderá supor o ouvinte menos atento. A fauna hiper-nutrida de alguns parasitas do sangue alheio serviu de bode expiatório. Descarreguei a bílis e fiz uma canção para servir de pasto às aranhas e às moscas".

Contudo, não podemos negar a popularidade da música do regime na época, visto que, por muita censura que existisse, os artistas eram de facto populares e ídolos da juventude portuguesa de então. Alguns destes cantores também cantaram letras de expoentes da música de intervenção, como é o caso de Simone de Oliveira que cantou poemas de José Carlos Ary dos Santos fugindo à banalidade reinante.

2 comentários:

Anónimo disse...

Não é que não goste deste Nacional-Cançonetismo, mas considero acertas as palavras de José Afonso para o descrever: era uma faceta da cultura de massas inexistente num país atrasado a todos os níveis, uma tentativa de alienar o povo para os problemas sociais da época.

Isto não é dizer mal dos cantores, mas sim das canções. Canções sem substância não são canções, são marulhos, são simples sons.

Que se façam na posteridade novos Afonsos e "Grândolas" para mostrar a todos que somos mais do que cantadeiras à beira do rio, ou ceifeiras que "cantam sem pensar".

Parabéns pelo trabalho.

Anónimo disse...

Bom dia,

Sou historiador na universidade livre de Berlim, e desde ha um ano aproximadamente, aprendo o português para o meu próximo trabalho de pesquisa. No curso de línguas que frequento, tenho de fazer uma apresentação oral na próxima segunda-feira, e como gosto muito da canção "Ele e ela" de Madaléna Iglésias, escolhi-a como assunto.
Portanto, fiquei muito contente de encontrar o seu texto sobre o nacional-cançonetismo o qual permite-me de pôr essa canção no contexto histórico do Salazarismo.

Muito obrigado pelo seu trabalho,

Christoph Kalter, Berlim