quarta-feira, fevereiro 18

Literatura: O rosto da crítica inteligente

Escrevo hoje ao meu estimado e considerado público, por pequeno que seja - ao menos de qualidade se preza de ser, quando me encontro longe deles em matéria física; piso terra que a desconhece a minha pátria do oceano em diante e da minha felicidade prometida. Pois vos digo desde o momento presente que me encontro em lugar conhecido por muitos artistas e génios, especialmente do passado: aqui, nesta cidade bonita de nome Siracusa, nasceram personalidades representativas da cultura ocidental, entre eles Arquimedes, criador da célebre expressão "Eureca!", utilizada tipicamente após rasgos de genialidade que ocorrem aos inventores e cientistas. Na verdade, que diferença de maior tom se colocará entre a ciência, com os seus inventores, e a literatura, com os seus estilistas da língua? Refiro que o método é substancial e primorosamente idêntico, e ambos os talentos, se de seu desejo é viver convenientemente folgados com os lucros dessa sua única actividade, sobrevivem dos eventuais rasgos de genialidade - esses acessos de bem pensar que podem tornar-se tão raros, mas então tão importantes. O inventor e o escritor criam; o inventor produz obra material que se adapte à vida mundana, enquanto o escritor produz as suas obras espirituais, artigos de consciência e ideal, que devem ajudar o Homem a fazer a sua própria adaptação.

E bem chegados que nos fez esta divagação de extremo interesse e na qual penso há já algum tempo. Com efeito, vem ela a propósito da particularidade que assinalo no escritor que hoje trato neste artigo: João Gaspar Simões (na imagem). Um escritor, de boa verdade falemos, não o é pela criação literária de obras originais, mas também o pode ser por somente usar da boa linguagem com distintas funções. Por exemplo, um bom escritor pode não dedicar a sua vida à elaboração criativa, mas antes ao jornalismo, ao aconselhamento de alguém superior escrevendo os seus discursos, ou à crítica literária de outros autores. Outros artistas desta arte existem, igualmente, que partem de uma destas actividades paralelas, consideravelmente mais recompensadas a nível monetário hoje e sempre, e vão introduzindo o seu nome na mestria, no auge: a criação de literatura. Sugiro, para fazer exemplo, o nosso estimado José Saramago, influente e brilhante prosador português, assim como poeta e dramaturgo de reconhecido valor, cuja carreira se iniciou nas secretárias do jornalismo, tendo muito mais tarde entregado o seu tempo e vida plena à literatura por a criar com inesgotáveis toques de individualismo.

João Gaspar Simões cumpriu um leque variado de funções nas letras, deixando testemunhos valiosos na produção literária; contudo que se notabilizou em especial com os seus livros de crítica e antologia literária de grandes nomes da literatura portuguesa do início do século XX e da segunda metade do século XIX, ainda muito recente na altura que estamos a analisar. Este senhor redigiu biografias de vida e obra de autores como Júlio Dinis, Eça de Queiroz, António Nobre, Camilo Pessanha e, acima de tudo, Fernando Pessoa. João Gaspar Simões, de facto, conheceu bem Pessoa na sua vida, e mantinham relações firmes de amizade em comum. A proximidade ao génio pessoano permitiu que, com qualidade e conhecimento, viesse a tornar-se o primeiro biógrafo de Fernando Pessoa, vindo a revelar-se protagonista na divulgação da obra que este escritor não publicou ao longo da sua existência.

O Modernismo português, que se exprimiu em particular nas artes pioneiras da literatura e pintura, pode ser dividido em dois momentos: a primeira geração de modernistas, unidos nas duas edições da revista Orpheu, e a segunda geração, fundadora da revista Presença. Da primeira geração fizeram parte os escritores já tratados Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Entre os fundadores da revista Presença, anos mais tarde, está um conjunto de intelectuais que travaram conhecimento durante os seus estudos superiores em Coimbra - escritores como Branquinho da Fonseca, Adolfo Casais Monteiro (a qual Pessoa escreveu a célebre carta acerca da génese dos heterónimos), José Régio, que referirei na semana seguinte, e João Gaspar Simões. Com efeito, os dois últimos nomes que indiquei tornaram-se os principais escritores desta geração: José Régio era o mais inspirado de todos, autor de poemas tão importantes que ainda hoje seduzem massas; João Gaspar Simões dedicou-se à divulgação de obras de outrem, desviando-se cada vez mais da criação pessoal de literatura. Era, na verdade, um crítico capaz, como nenhum outro, de chamar as atenções: causava polémica pelos seus escritos, assinando opiniões muito avançadas para a altura, que homem nenhum ousava concluir a partir da literatura. O crítico literário, posso dizê-lo, pode ser responsável pela afirmação de um estilo linguístico, como foi Gaspar Simões em relação ao modernismo, junto da população.

E em gesto de final anunciado, peço que todos me desejem profunda satisfação nestas minhas férias, onde me retiro no Mediterrâneo, com uma certa nostalgia de distância e vontade de regressar ao meu lugar, deixar-me passear nos sítios de Lisboa que são meus. Saudades é isso, é querer mudar se estou distante e é não ter estima louvável naquilo que é novidade, desconfiando sempre, preferindo o gosto e os contentamentos de uma rotina, de uma habituação passada. É amor também, amor português pelo seu mesmo país, e se essa dedicação faltará a muitos rostos desta nação nossa, eu tê-la-ei decerto pela conta de todos esses traidores. Tenho dito. Ponto final.

1 comentário:

Anónimo disse...

bah legal henm