sábado, fevereiro 28

Cinema: "Gado Bravo" - Uma Vida Ribatejana

Hoje, na sequência do meu último artigo relacionado com os anos de ouro do cinema português, apresentarei o filme “Gado Bravo”.

Este filme, “Gado Bravo”, foi realizado por António Lopes Ribeiro (sobre o qual já escrevi um artigo intitulado “O Cineasta do Regime”), no ano 1934.

A história do filme é sobre a vida de Manuel Garrido (Raul de Carvalho), um criador de touros e um hábil cavaleiro tauromáquico. O seu coração está dividido entre duas mulheres. Branca (Nita Brandão), uma mulher sensível e símbolo das virtudes da mulher portuguesa; e Nina (Olly Gebauer), uma fascinante cantora estrangeira.

Este foi o terceiro filme sonoro português. No genérico do filme é apresentado como realizador António Lopes Ribeiro e como supervisor artístico e técnico o estrangeiro Max Nosseck, alemão refugiado em Portugal. Contudo, ainda hoje permanece a dúvida de quem realmente terá chefiado o filme “Gado Bravo”.

Os lugares escolhidos para serem gravadas as cenas de exteriores tudo tinham a ver com a vida ribatejana e dos toureiros, tão bem representada neste filme. Foram gravadas cenas em Valada do Ribatejo, durante cerca de 5 meses, e no Campo Pequeno, onde estiveram presentes inúmeros figurantes, que apareceram voluntariamente após serem publicados em revistas e jornais anúncios sobre as filmagens.

Após as filmagens no exterior estarem concluídas, foram gravadas em estúdio, na cidade de Paris, as restantes cenas de interior. Esta deslocação ao país criador do cinema mostra o atraso presente em Portugal, devido a inúmeros entraves, como a falta de equipamento actualizados, falta de apoios financeiros e ainda com a Censura sempre a impor-se. Todavia, a vontade de realizar e apresentar ainda as nossas raízes, mostrou ser a força necessária para continuarem a realizar excelentes filmes, com a assinatura portuguesa.
“Gado Bravo” estreou no Tivoli a 8 de Agosto de 1934. A par desta grande estreia, como complemento, foi também apresentado o documentário “Douro, Faina Fluvial” de Manuel de Oliveira.
Após a sua estreia, um dos colaboradores do filme apresentou uma queixa por terem alterado parte de uma música realizada por si. “Gado Bravo” foi retirado dos cartazes, mas passado alguns meses, as autoridades suspenderam a apreensão do filme e este regressou aos cartazes. Esta queixa apresentada contra os responsáveis pelo filme, contribui para o grande sucesso deste filme, devido à crescente curiosidade dos espectadores, após este pequeno contratempo.
Recentemente, este filme de António Lopes Ribeiro foi restaurado a partir do negativo existente na Cinemateca Francesa e com o apoio do seu equipamento técnico.

quinta-feira, fevereiro 26

Pintura: A velha (pintora) internacional

Nesta e na próxima semana os meus artigos serão sobre a internacionalmente conhecida pintora Paula Rego. O primeiro artigo, o de hoje, terá um carácter biográfico como os restantes artigos que realizo, e o segundo artigo, o da próxima semana, será constituído por duas partes: a primeira será uma análise das obras da pintora tendo como base várias análises de diversos profissionais, e a segunda parte será uma reflexão pessoal sobre as obras e o sucesso da autora, assim como uma reflexão/análise do estatuto e da pintura dos artistas plásticos no nosso país.

Paulo Figueiroa Rego nasceu no ano de 1935 em Lisboa. Desde muito nova que se interessou pelo desenho e em 1952 começou a estudar pintura na Slade School of Art em Londres, onde permaneceu até ao nascimento da sua filha em 1956. Durante vários anos a pintora participou em várias exposições que tiveram lugar sobretudo em Inglaterra e Portugal, mas também nos Estados Unidos da América, Brasil e França. A sua primeira exposição individual em Portugal deu-se a 1961 na Sociedade de Belas Artes de Lisboa, e foi aclamada como um sucesso crítico, já a sua primeira exposição individual em Inglaterra só se veio a realizar mais tarde, em 1981, na Air Gallery e, Londres. Paula Rego conta com vários prémios, dos quais o prémio Celpa/Vieira Silva e Grande prémio Soquil. A pintora Paula Rego foi o primeiro artista associado da National Gallery e é equiparada à ilustre Vieira da Silva, que na opinião de qualquer um que conheça a obra desta, é uma grande honra.

A sua mais recente exposição foi exposta no Museu Rainha Sofia, em Madrid, entre 25 de Setembro e 30 de Dezembro. Esta exposição teve um carácter retrospectivo dividindo o percurso da pintora em quatro: 1953/66, 1981/93, 1993/2000, 2000/2006; e evidencia a passagem das primeiras obras da pintora para as dos últimos anos que contêm um carácter mais narrativo.

NOTA: http://paularego.blogs.sapo.pt/ (neste blog podem vizualizar mais obras e saber mais sobre a pintora, assim como, ver vídeos, nomeadamente da sic notícias, com noticias sobre Paula Rego)

sábado, fevereiro 21

Cinema: Os Anos de Ouro

Como já vos introduzi no meu 10º artigo, os próximos artigo serão dedicados aos anos de Ouro do nosso cinema português. Irei escrever-vos sobre grandes actores, realizadores e os filmes que até hoje se encontram nos nossos conjuntos de filmes.

Assim sendo irei hoje apresentar-vos o filme “A Canção de Lisboa”. Quem não o conhece? Nem que seja só o seu nome.

O realizador deste grande sucesso é Continelli Telmo, mas há quem defenda a importante participação de Chianca de Garcia, mencionado na equipa de produção. Podemos ver a participação de grandes actores, como Beatriz Costa (Alice), Vasco Santana (Vaquinho), António Silva (Alfaiate Caetano), Teresa Gomes e Sofia Santos (tias de trás os montes) e Alfredo Silva (Sapateiro).

A história deste filme baseia-se na vida de Vasco. Vasquinho vive às custas das suas tias de Trás-os-Montes que pensam que o seu sobrinho é um aluno de medicina exemplar. Contudo, este prefere a vida de boémia. Mas esta história dá uma revira volta quando as tias de Vasquinho vêm-no visitar. A partir desta inesperada visita a vida de Vasquinho muda completamente.

A “Canção de Lisboa” foi o primeiro filme a se produzido inteiramente em Portugal. Foi filmado em Lisboa e em Sintra, nos estúdios da Lisboa Filme e com equipamento da Tobis.

Este grande êxito teve a participação de duas grandes personagens portuguesas. Manoel de Oliveira, que na altura ansiava por ser actor de comédia, recebeu o papel de Carlos, melhor amigo de Vasquinho. A outra importante participação foi de Almada Negreiros, o qual produziu dois cartazes de promoção.

O sucesso deste filme foi além fronteiras, chegando aos países do Ultramar e no Brasil. Realizado na altura do Estado Novo, não é de estranhar o sempre presente carácter típico português, principalmente através das músicas populares.

A estreia aconteceu a 7 de Novembro de 1933, no São Luís. Teve tanto sucesso que o dinheiro ganho com os bilhetes chegou para ajudar a pagar parte das instalações da Tobis que se encontravam ainda em construção.

Deste filme ficaram ilustres a música da “Agulha”, cantada por Beatriz Costa e a frase “Chapéus há muitos, seu palhaço”, dita por Vasco Santana.

Com todo este sucesso, não só ficou para a história do cinema Português como também foi adaptado ao teatro musical por Filipe La Féria.

quarta-feira, fevereiro 18

Pintura: O pintor da história

Dando continuidade aos artigos que tenho vindo a desenvolver nas últimas semana, sobre pintores que tiveram o seu protagonismo na segunda metade do século XX, hoje apresento-vos Carlos Alberto Santos.

Carlos Alberto Ferreira dos Santos nasceu em Lisboa no ano de 1933. O pintor começou como ilustrador em 1947 no atelier de publicidade de José David, publicando ilustrações para revistas e bandas desenhadas. O seu trabalho com mais sucesso foi a colecção de cromos História de Portugal, que começou a realizar em 1950, e que teve um enorme êxito por todo o país (o que justifica a sua nova editação anos mais tarde).

Carlos Alberto Santos ficou conhecido entre os jovens pelas suas colecções de cromos que, durante 20 anos, criou.
Colecções estas que representavam episódios históricos, como é o caso da sua última colecções que ilustrava algumas estâncias d´Os Lusíadas.

Como pintor, Carlos Alberto Santos, aborda principalmente temas da história de Portugal. A pintura chegou a este pintor um pouco mais tarde, tendo feito a sua primeira exposição em 1970 na Sociedade de Belas Artes em Lisboa, onde o tema dos seus quadros era, como podíamos esperar, sobre momentos históricos portugueses. Até agora Carlos Alberto Santos já expôs em 50 exposições colectivas e 44 individuais, tanto em Portugal como no estrangeiro (Boston, Cambridge, New Bedford, entre outros).
As suas obras estão representadas em exposições particulares por todo o mundo, e em Portugal podem ser observadas no Museu Militar do Porto.

Para terminar este artigo deixo-vos com uma curiosidade que sintetiza um pouco o carácter histórico dos temas abordados pelo pintor, é que José Hermano Saraiva, no seu programa, recorre várias vezes às telas de Carlos Alberto Santos para ilustrar os seus discursos sobre várias personalidades ou episódios da história.



Literatura: O rosto da crítica inteligente

Escrevo hoje ao meu estimado e considerado público, por pequeno que seja - ao menos de qualidade se preza de ser, quando me encontro longe deles em matéria física; piso terra que a desconhece a minha pátria do oceano em diante e da minha felicidade prometida. Pois vos digo desde o momento presente que me encontro em lugar conhecido por muitos artistas e génios, especialmente do passado: aqui, nesta cidade bonita de nome Siracusa, nasceram personalidades representativas da cultura ocidental, entre eles Arquimedes, criador da célebre expressão "Eureca!", utilizada tipicamente após rasgos de genialidade que ocorrem aos inventores e cientistas. Na verdade, que diferença de maior tom se colocará entre a ciência, com os seus inventores, e a literatura, com os seus estilistas da língua? Refiro que o método é substancial e primorosamente idêntico, e ambos os talentos, se de seu desejo é viver convenientemente folgados com os lucros dessa sua única actividade, sobrevivem dos eventuais rasgos de genialidade - esses acessos de bem pensar que podem tornar-se tão raros, mas então tão importantes. O inventor e o escritor criam; o inventor produz obra material que se adapte à vida mundana, enquanto o escritor produz as suas obras espirituais, artigos de consciência e ideal, que devem ajudar o Homem a fazer a sua própria adaptação.

E bem chegados que nos fez esta divagação de extremo interesse e na qual penso há já algum tempo. Com efeito, vem ela a propósito da particularidade que assinalo no escritor que hoje trato neste artigo: João Gaspar Simões (na imagem). Um escritor, de boa verdade falemos, não o é pela criação literária de obras originais, mas também o pode ser por somente usar da boa linguagem com distintas funções. Por exemplo, um bom escritor pode não dedicar a sua vida à elaboração criativa, mas antes ao jornalismo, ao aconselhamento de alguém superior escrevendo os seus discursos, ou à crítica literária de outros autores. Outros artistas desta arte existem, igualmente, que partem de uma destas actividades paralelas, consideravelmente mais recompensadas a nível monetário hoje e sempre, e vão introduzindo o seu nome na mestria, no auge: a criação de literatura. Sugiro, para fazer exemplo, o nosso estimado José Saramago, influente e brilhante prosador português, assim como poeta e dramaturgo de reconhecido valor, cuja carreira se iniciou nas secretárias do jornalismo, tendo muito mais tarde entregado o seu tempo e vida plena à literatura por a criar com inesgotáveis toques de individualismo.

João Gaspar Simões cumpriu um leque variado de funções nas letras, deixando testemunhos valiosos na produção literária; contudo que se notabilizou em especial com os seus livros de crítica e antologia literária de grandes nomes da literatura portuguesa do início do século XX e da segunda metade do século XIX, ainda muito recente na altura que estamos a analisar. Este senhor redigiu biografias de vida e obra de autores como Júlio Dinis, Eça de Queiroz, António Nobre, Camilo Pessanha e, acima de tudo, Fernando Pessoa. João Gaspar Simões, de facto, conheceu bem Pessoa na sua vida, e mantinham relações firmes de amizade em comum. A proximidade ao génio pessoano permitiu que, com qualidade e conhecimento, viesse a tornar-se o primeiro biógrafo de Fernando Pessoa, vindo a revelar-se protagonista na divulgação da obra que este escritor não publicou ao longo da sua existência.

O Modernismo português, que se exprimiu em particular nas artes pioneiras da literatura e pintura, pode ser dividido em dois momentos: a primeira geração de modernistas, unidos nas duas edições da revista Orpheu, e a segunda geração, fundadora da revista Presença. Da primeira geração fizeram parte os escritores já tratados Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Entre os fundadores da revista Presença, anos mais tarde, está um conjunto de intelectuais que travaram conhecimento durante os seus estudos superiores em Coimbra - escritores como Branquinho da Fonseca, Adolfo Casais Monteiro (a qual Pessoa escreveu a célebre carta acerca da génese dos heterónimos), José Régio, que referirei na semana seguinte, e João Gaspar Simões. Com efeito, os dois últimos nomes que indiquei tornaram-se os principais escritores desta geração: José Régio era o mais inspirado de todos, autor de poemas tão importantes que ainda hoje seduzem massas; João Gaspar Simões dedicou-se à divulgação de obras de outrem, desviando-se cada vez mais da criação pessoal de literatura. Era, na verdade, um crítico capaz, como nenhum outro, de chamar as atenções: causava polémica pelos seus escritos, assinando opiniões muito avançadas para a altura, que homem nenhum ousava concluir a partir da literatura. O crítico literário, posso dizê-lo, pode ser responsável pela afirmação de um estilo linguístico, como foi Gaspar Simões em relação ao modernismo, junto da população.

E em gesto de final anunciado, peço que todos me desejem profunda satisfação nestas minhas férias, onde me retiro no Mediterrâneo, com uma certa nostalgia de distância e vontade de regressar ao meu lugar, deixar-me passear nos sítios de Lisboa que são meus. Saudades é isso, é querer mudar se estou distante e é não ter estima louvável naquilo que é novidade, desconfiando sempre, preferindo o gosto e os contentamentos de uma rotina, de uma habituação passada. É amor também, amor português pelo seu mesmo país, e se essa dedicação faltará a muitos rostos desta nação nossa, eu tê-la-ei decerto pela conta de todos esses traidores. Tenho dito. Ponto final.

terça-feira, fevereiro 17

Música: Nacional-Cançonetismo

Primeiro que tudo, importa realçar que a abordagem deste conceito musical me foi sugerida por um colega, sendo que eu já conhecendo um pouco o termo, optei por pesquisar um pouco mais e dar à luz este artigo.
O Nacional-Cançonetismo é uma expressão utilizada em termos musicais, para definir as canções e o género de música que o regime ditatorial do Estado Novo em Portugal, promovia e incentivava, quer na rádio, quer na televisão.

Conheceu o seu auge nos anos 60, em figuras que pinguepongueavam entre si a hegemonia deste género de música, no feminino com Madalena Iglésias e Simone de Oliveira, e no sexo oposto com António Calvário e Artur Garcia (abaixo).



O objectivo deste tipo de música era iludir através das banalidades cantadas, a situação do país, isto é, tornando o cenário opressivo e miserável português, numa concertina cor-de-rosa e fútil. Pretendia ainda incutir valores nas pessoas, tendo como temas principais "o pobre mas honrado", a luta pela pátria, a casa portuguesa, que eram divulgados e ajudavam a construir uma ideologia que assentava na apatia e humildade das populações. A par do Fado para exportação, o Nacional-Cançonetismo foi um dos muitos veículos que o Estado Novo usou para fazer prevalecer a sua ideologia.

Nos finais de 60, inícios de 70, surgiu o contraponto musical, a música de intervenção, movimento encabeçado por José Afonso. Acerca do surgimento desta última e do estar em voga do Nacional-Cançonetismo, José Afonso chegou a dizer:

"Numa viagem que fiz a Coimbra apercebi-me da inutilidade de se cantar o cor-de-rosa e o bonitinho, muito em voga nas nossas composições radiofónicas e music-hall de exportação. Se lhe déssemos uma certa dignidade e lhe atribuíssemos, pela urgência dos temas tratados, um mínimo de valor educativo, conseguiríamos talvez fabricar um novo tipo de canção cuja actualidade poderia repercutir-se no espírito narcotizado do público, molestando-lhe a consciência adormecida em vez de o distrair. Foi essa a intenção que orientou a génese de "Vampiros", entidades destinadas ao desempenho duma função essencialmente laxante ao contrário do que poderá supor o ouvinte menos atento. A fauna hiper-nutrida de alguns parasitas do sangue alheio serviu de bode expiatório. Descarreguei a bílis e fiz uma canção para servir de pasto às aranhas e às moscas".

Contudo, não podemos negar a popularidade da música do regime na época, visto que, por muita censura que existisse, os artistas eram de facto populares e ídolos da juventude portuguesa de então. Alguns destes cantores também cantaram letras de expoentes da música de intervenção, como é o caso de Simone de Oliveira que cantou poemas de José Carlos Ary dos Santos fugindo à banalidade reinante.

segunda-feira, fevereiro 16

Literatura: O bucólico e o futurista

Entre o que hoje ocorre realizar para um comum mortal como sou, escrevo-vos como é sempre o meu hábito do início das semanas. E este artigo, se algum dos artigos é, de consciência nossa, um artigo banal, difere bem dos outros. Termino hoje as quatro semanas sucessivas que me dei a tratar Fernando Pessoa nestas crónicas, e por essa efeméride trago uma determinada felicidade, conferida à minha calma por via do sossego que se anuncia: hão-de saber de pleno conhecimento que adoro Fernando Pessoa e os seus brilhantes heterónimos; todavia, um génio torna-se mais complexo de analisar, e muito em particular este poeta, tão místico que ainda hoje se demonstra a quem o pretende entender e se esforça nesse sentido.

Vejamos o que percorremos, para melhor concebermos o lugar em que nos encontramos e todo o caminho que hoje importa avançar. Para a iniciação a Fernando Pessoa, abordei a sua vida e esbocei uma panorâmica opinião acerca de quem deixou ser para os tempos que viriam. Na segunda crónica dirigi-me ao "poeta da própria pele", consoante me aproveitou chamar-lhe, analisando a poesia do ortónimo e referenciando a sua obra "Mensagem". Há tempos de sete dias feitos agora, iniciei-me ao estudo dos seus heterónimos, tendo identificado os três principais e ainda o semi-heterónimo Bernardo Soares, mostrei a carta redigida por Pessoa a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese dos heterónimos e ainda tratei o heterónimo Ricardo Reis - o clássico. Hoje falta, pois, abordar o bucólico - Alberto Caeiro - e o futurista - Álvaro de Campos.

O heterónimo Alberto Caeiro, se o podemos afirmar em linhas gerais como o faço, é o mais demarcado do próprio Fernando Pessoa, revelando todos os traços de personalidade que dificilmente remeteríamos ao ortónimo. Encontramos, então, uma total libertação do poeta, neste heterónimo preterindo qualquer privilégio ao pensamento e à razão. Segundo Caeiro, o ser apenas é, apenas existe, e qualquer desvio que preconize relativamente à sua natureza pacífica e sensacionista é visto com desconfiança e desagrado. O "guardador de rebanhos", como ficou conhecido Alberto Caeiro, ou o "mestre", terá vivido a maior parte da sua vida como camponês das terras altas, faltando-lhe, contrariamente ao ortónimo e, ainda mais, a Ricardo Reis, a escolaridade quase na sua plenitude. Ficou cedo órfão, tendo sido criado pela sua tia-avó, excelente pessoa de parcos rendimentos. A sua obra poética (que em termos de génese foi escrita por Fernando Pessoa, quase na totalidade, num único dia), reflecte estas vivências, influenciado, no entanto, pelo poeta português Cesário Verde - a quem dedica, inclusive, o poema "Guardador de Rebanhos". A natureza é o elemento fulcral da sua obra, moldando a sua personalidade e as suas emoções consoante as alterações de clima e a transição entre dia e noite. O seu registo linguístico, resultante da sua fraca formação, é simples e objectivo, demonstrando, porém, uma extrema complexidade reflexiva. O poema que sigo a expor exemplifica a escrita bela, simplista e tranquila do poeta que rejeitava a filosofia e procurava as diferentes emoções que nos oferecem a vida e a natureza:

"Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado."

Álvaro de Campos, com o qual terminarei esta longa abordagem sobre a principal figura da literatura portuguesa do século XX, é o mais complexo entre os diferentes heterónimos criados na imaginação de Fernando Pessoa. A genialidade deste heterónimo diz muito com a evolução dele mesmo que, como um escritor consolidado e material, manifestou três diferentes fases na sua obra. Álvaro de Campos, segundo Pessoa, era um engenheiro português de educação inglesa, que em parte nenhuma do mundo se acreditava, por o sentir, em casa.

A primeira fase da sua obra, se por fases vou referenciá-la, obteve o nome de "Decadentista". Nos poemas redigidos nestes anos, Álvaro de Campos revela um cansaço e tédio acerca da civilização moderna, desconhecendo o verdadeiro sentido da vida. O Poeta procura, como forma de se manter vivo e sabê-lo, novas experiências sensacionistas, como o consumo de drogas e tantos outros vícios. O pensamento era uma constante em Álvaro de Campos, tal como em Fernando Pessoa, e o seu desencanto completo derivava largamente desta sua obsessão pelo raciocínio que afasta as hipóteses de levar uma vida tranquila e estável.

"É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente."

A segunda fase da obra de Campos recebeu o nome de "Futurista", demonstrando, como nenhuma outra das três, uma incrível energia perante a existência humana. Álvaro de Campos parece ter encontrado na civilização e na modernidade a justificação e o meio de tornar o seu ser eternamente jovem e motivado a fazer e experimentar sempre coisas novas. A exageração do sensacionismo que se exalta nos seus extensos poemas é acompanhada por um extremo erotismo e sadomasoquismo que parte das formas inovadoras das máquinas modernas.

"Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis, (...)"

Esta força de vida, de tal forma contagiante como uma doença maldita, cessou com o tempo, originando a terceira fase - intimista ou pessimista. Na verdade, arrisco afirmar que a verdadeira forma de viver de Álvaro de Campos era esta de enfrentar mal a vida ou confrontá-la com o olhar em baixo, notando em cada instante o seu próprio abatimento e desejo de desistir das condições que nos são infligidas. Simplesmente a civilização e um sem-número de avanços tecnológicos interromperam, por um curto tempo mas efectivo, esta filosofia de vida baseada no desgaste e na vida como início já da própria morte.

"Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum."

E é este leque de variações imensas e opções sem fim que é, com efeito, a obra poética do génio de Fernando Pessoa. Foi o único poeta que, com a sua mente, utilizando-a ainda mais que qualquer artista, concebeu artistas de elevado talento, todos originais entre si, todos eles com filosofias de vida plausíveis e interessantes à análise. Seja com base na reflexão do desgosto, seja pelo exagero das dinâmicas, ou seja mesmo pela tranquilidade de sentir o Sol bater-nos na cara, a verdade é que a poesia vasta que nos deixou Fernando Pessoa no testamento, a todos nós, é bela pelas perspectivas todas que compreende, como um polvo que, pelos tentáculos, chega mais longe em todas as direcções.

sábado, fevereiro 14

Cinema: Grandes Estreias, Grandes Cinemas

Como não há um filme de sucesso que não tenha uma grande estreia, um bom cinema com um público caloroso, hoje trago-vos alguns cinemas antigos.

Deixo-vos então aqui um pequena lista de alguns dos famosos cinemas de Lisboa, que hoje foram reconstruídos e lhes dado outra função.

- Cinema Eden










- Cinema São Jorge












- Cinema Condes












- Cinema Apolo 70









-Cinema Alvalade











Espero que gostem!

quarta-feira, fevereiro 11

Pintura: Homenagem à versatilidade

No artigo de blog desta semana decidi que vos iria apresentar um artista plástico, isto é, o artista sobre o qual hoje escrevo não foi só pintor como também escultor e trabalhou outras áreas como a azulejaria. Este artista plástico é Rogério Ribeiro. A escolha deste artista deveu-se essencialmente a sua versatilidade plástica, e também para lhe prestar uma homenagem visto que faz quase um ano que faleceu.

Rogério Ribeiro nasceu em 1930 em Estremoz, e veio a falecer em Março do ano passado. Rogério licenciou-se em pintura na Escola Superior de Belas-Artes em Lisboa e começou a expor, colectivamente, as suas obras em 1950 e individualmente em 1954. Em 1956 tornou-se sócio-fundador da Gravura (Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses) onde desenvolveu a actividade de gravador. Também trabalhou em cerâmica e tapeçaria tanto por encomenda de particulares, empresas ou de organismos oficiais.



Uma das áreas ligadas à pintura em que teve mais importância foi a da ilustração, principalmente através do livro de Manuel Tiago e Álvaro Cunhal que ilustrou, “Até Amanhã Camaradas”. Outros livros importantes que contaram com a sua ilustração foram “Minas de S. Francisco” e “Casa da Malta” de Fernando Namora (1955 e 1956 respectivamente), e “A vida mágica da sementinha: uma breve história do trigo ” de Alves Redol (1956).

Já na área da azulejaria o seu primeiro trabalho foi em 1959 um painel para a estação do metro da Avenida em Lisboa. De seguida surgiram-lhe tantos outros, já após a queda do regime, como, o átrio norte da estação dos Anjos em Lisboa no ano de 1982, o painel “Azulejos para Santiago”, em 1996, para a estação de metro de Santa Lucía que se situa em Santiago do Chile, o painel “Mestre Andarilho”, em 1997, para o Fórum Romeu Correia em Almada, em 1999 um painel para a estação de comboio de Sete-Rios em Lisboa e um painel para o Arquivo Histórico Municipal de Usuqui no Japão, em 2008, o “Monumento à mulher alentejana” que está no Parque da Cidade em Beja, e também em Beja o painel “O Lugar da Água” no Espaço Museológico da rua do Sembrano.







Em 1961 iniciou-se como professor de Pintura e Tecnologia na Escola António Arroio em Lisboa, e em 1970 foi professor na Escola Superior de Belas-Artes em Lisboa. No ano de 2006 o Município de Estremoz, atribuiu-lhe a Medalha de Ouro da Cidade.
Rogério Ribeiro está representado em diversas instituições privadas, museus e colecções particulares.




ANEXO
"
Rogério Ribeiro: "Um grande vulto da cultura portuguesa" - presidente da Câmara de Almada

10 de Março de 2008, 23:05

Lisboa, 10 Mar (Lusa) - A presidente da Câmara de Almada, Maria Emília de Sousa, lembrou hoje o pintor e escultor Rogério Ribeiro como "um grande vulto da cultura portuguesa", que dava "espaço para outros artistas" desenvolverem o seu trabalho.
Rogério Ribeiro morreu hoje, aos 77 anos, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, devido a complicações cardíacas, indicou um amigo, o pintor David Almeida.
Natural de Estremoz, onde nasceu a 31 de Março de 1930, Rogério Ribeiro era militante do PCP e director, desde 1993, da Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea de Almada.
Em declarações à Agência Lusa, a presidente da Câmara Municipal de Almada, Maria Emília de Sousa, recordou o pintor como "um grande vulto da cultura portuguesa".
"O país perdeu um grande artista", afirmou, emocionada, recordando o "homem de convicções firmes, de nobres ideais, que não se vergava aos obstáculos, às dificuldades".
A autarca comunista evocou o artista "muito generoso, de grande humanismo", que "dava espaço a outros artistas" para desenvolverem a sua actividade.
Rogério Ribeiro, que esteve na génese da Galeria Municipal de Arte de Almada, preparava-se para executar, nesta cidade, a pintura do altar da Igreja de São Sebastião, que está a ser recuperada há alguns anos pela autarquia.
Do artista existem pinturas em azulejo no Fórum Municipal Romeu Correia, em Almada, na estação dos comboios de Sete Rios, em Lisboa, na estação do metro de Santa Lucía, em Santiago do Chile, e no Arquivo Histórico Municipal de Usuqui, no Japão.
ER.
Lusa/Fim "

segunda-feira, fevereiro 9

Literatura: Ricardo Reis e a herança clássica

Em gesto de recordar o que anteriormente referi a propósito do vasto legado literário que nos deixou Fernando Pessoa – o ortónimo – lembremo-nos de dois campos essenciais: a obra lírica e o seu livro publicado, A Mensagem. Pois embora seja esta última a sua obra de referência num determinado panorama, tratando-se dos seus únicos poemas vistos pelos leitores durante a sua vida, não é hoje o marco fundamental e mais característico da sua extensa obra literária.

Isso deve-se à situação de o génio de Pessoa ter albergado no interior da sua frutífera mente outros homens de personalidades algo diferentes, unidos apenas por uns gostos ou atitudes semelhantes e que poderão mostrar, aos analistas, que todas viviam no mesmo corpo e sofriam, a bem dizer, os mesmos desgostos e as mesmas carências. Não podia eu estar a falar senão dos conhecidos heterónimos de Fernando Pessoa. A sua heteronímia, em traços gerais, compreende três poetas e um semi-heterónimo. Este último, Bernardo Soares, não é contemplado na lista de heterónimos pessoanos porque são-lhe atribuídas suficientes características do próprio ortónimo, não se manifestando na sua escrita uma personalidade alheia ao mundo de Fernando Pessoa, ele mesmo. Os heterónimos mais influentes na literatura portuguesa desde Fernando Pessoa e no presente são, com efeito, e por ordem cronológica acerca da sua génese, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. Do primeiro tratarei ainda na extensão deste artigo de hoje e a ele devo o título que acima escrevo; os restantes virão na mais próxima data, daqui a exactamente uma semana.

O fenómeno peculiar da criação de heterónimos por um poeta, utilizados especialmente para expressar diferentes visões da vida e do mundo que nos rodeia, surge como a demonstração da evidente genialidade do nosso poeta. Foi ele, precisamente, o grande poeta universal que dividiu a sua obra literária em diversas personagens, concedendo a si próprio uma diversidade original de faces com que encara a vida. Fora de portas, no estrangeiro, a predilecção que se regista num público mais alargado em relação a Fernando Pessoa deve-se, igualmente, à sua criação de heterónimos, que envolve a sua figura numa atmosfera de mistério e constante dúvida relativamente a quem foi, e como foi, então, o verdadeiro Pessoa. Aponto variadas razões para o sucesso que ainda hoje a literatura de Fernando Pessoa alcança noutros países: além de ser factual que a literatura portuguesa sempre ultrapassou fronteiras pela sua elevada qualidade e privilégios que sempre recolheu em Portugal em detrimento de outras artes como as plásticas e a música erudita, é má memória esquecermos que Fernando Pessoa estudou na África do Sul e sempre, desde esse tempo, escreveu também na língua inglesa, fazendo hoje que o público inglês conserve na sua língua mãe alguns textos e poemas deste génio, e assim desperta a curiosidade de um público extensíssimo a ler mais, incluindo traduções do legado literário em português.

Em correspondência a Adolfo Casais Monteiro, seu amigo e interessado nos seus escritos e na sua poesia, Fernando Pessoa descreveu o processo com que surgiram os seus heterónimos: por geração espontânea, e não remetam a expressão para uma religiosidade fervente da minha parte ou da parte do poeta. Tento dizer que a personalidade dos heterónimos invadia a sua própria em certos rasgos de genialidade a que ele assistia. Por certas vezes assume ter tentado forçar a aparição de novos heterónimos, racionalizando novos caracteres, mas sempre sem sucesso: era mais do que podia abarcar. Até uma vez pretendia surpreender o seu amigo Mário de Sá-Carneiro, querendo escrever-lhe uma série de poemas numa personalidade diferente da sua, como a que viria a ser, mais tarde, a de Alberto Caeiro. Todavia, sem êxito: não se conseguia libertar do abraço que o seu drama pessoal, dele mesmo, lhe apertava. Ricardo Reis, com efeito, foi o primeiro heterónimo a surgir, tendo desde já o mérito de ser pioneiro em questão de concepção.

Na mesma carta que redigiu a Casais Monteiro, descreveu Ricardo Reis: "Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-o algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. (…) é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria." Nada melhor do que as palavras do próprio criador para explicitar os principais traços deste primeiro heterónimo. Como aparece, os heterónimos não existiam somente na forma de escritores, mas sim como pessoas vulgares, com percurso de vida, educação, preferências bem deduzidas e passado psicológico. Antes de eu mesmo lhe atribuir mais características e de realçar outras que Fernando Pessoa referiu nesta carta, sugiro que atentemos a uns versos de Ricardo Reis e à minha análise a cada estrofe.
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).

O Poeta demonstra a existência de um amor pacífico. Sugere à sua bonita amada (digo bonita por ser ele um poeta clássico, que idealiza a beleza das mulheres) que observem o curso do rio e verifiquem como a vida passa: o rio é a vida, vai passando com um curso definido à partida: é o Fado.

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

O Poeta verifica que não somos Deuses, somos antes mortais e que não podemos contornar esse nosso Destino de morrermos, de ir ter ao mar se a vida for um rio. Então, é necessário aproveitar o bem da vida, preocupando-nos em não sofrer um único instante, mais a mais porque o momento presente é valioso e não se repetirá.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Se não se procura o sofrimento, valerá mais viver e amar como Platão, para que a morte do sentimento, mais tarde, não traga lágrimas ou infelicidade a nenhum dos amantes: amem-se sossegadamente, sem compromisso sério, sabendo gozar aquilo que é mais certo: a vida, se igualmente certa é a morte.

A poesia de Ricardo Reis encontra neste poema um momento chave. É este um poema bastante representativo da filosofia de vida que Reis nos apresenta, centrada no carpe diem e assente na certeza de que a vida é breve e a morte virá sempre. A bem ver, não sabemos se virá já ou se só nos acolherá daqui a muitos anos. Defende que o amor idealizado, não físico, é o amor que todos devemos ter, é ele o mais puro e aquele que, por ser livre e só depender de nós e de ninguém mais que possa sentir diferente, nunca nos trairá a paz e a tranquilidade. É aquele amor que nos assegura uma das coisas mais importantes para a firmeza da felicidade: a estabilidade.

Podemos afirmar que, pela linguagem e pela forma, mais do que pelas temáticas, Ricardo Reis representa na poesia pessoana a herança clássica da literatura ocidental: uma forma de enriquecer o movimento modernista de Orfeu com os conceitos e as maravilhas da literatura de influência grega e latina. Da antiguidade retira também o paganismo, renunciando à Igreja e às suas doutrinas. É, entre todos os heterónimos e mesmo lembrando-me do ortónimo, o mais erudito, sendo conhecedor dos mitos, lendas antigas, figuras das antigas epopeias, além do variado e rico vocabulário que usa nos seus poemas. Ao contrário do ortónimo ou de Álvaro de Campos, que demonstram o descontentamento perante a vida ou as pessoas, Ricardo Reis adopta uma postura pacifista e conformada em relação a tudo aquilo com que é necessário viver, apostando em procurar a melhor forma de resistir e de ser feliz no meio de tantas imposições e de uma tal brevidade e efemeridade da vida. Ricardo Reis revela-se um professor cheio de ensinamentos para nos oferecer, além de criador de uma poesia de extremo bom gosto e agradável à leitura. Reclamem, se não concordam com esta minha opinião, sejam livres e não se conformem (apesar disso ser contrário aos proclamados ensinamentos de Ricardo Reis…)

domingo, fevereiro 8

Música: Era uma vez nos Anos 90, a Eurovisão

Sorriam! Acendam os vossos isqueiros durante as baladas! Sintam o coração a bater ao som da derradeira década do século XX! Resumindo, esta semana, para terminar o ciclo Eurovisão, recordaremos o que de melhor se fez nos anos 90, em português, para o festival dos festivais. E as cinco canções escolhidas como as melhores da década possuem uma característica comum, o serem interpretadas por mulheres! Desde músicas mais mexidas e orelhudas, até baladas de fazer corar qualquer Céline Dion, os anos 90 produziram também verdadeiros clássicos e épicos da música portuguesa, algo que não viria a acontecer na década seguinte, onde as únicas canções que bem representaram Portugal foram a de Rita Guerra e a de Vânia Fernandes. Todas as outras podem ser comparadas a fogo-de-artíficio, que é muito espectacular, mas rapidamente desaparece e se esquece. De volta aos anos 90, comecemos pelo fundo da tabela.

“Peguei, trinquei e meti-te na cesta”. Bela metáfora que esta letra possui, comparando os homens a uma maçã ou a um papo-seco. A canção é de Dina e chama-se “Amor de água fresca”. A letra é da grande Rosa Lobato Faria, que escreveu a letra de outras representantes portuguesas na Eurovisão de 90, como “Antes do Adeus” de Célia Lawson. O ano em questão é 1992 e ficou em 17º lugar. Reparem que no videoclip, há momentos em Dina está vestida de Carmen Miranda.





O quarto lugar é de Lúcia Moniz e “O meu coração não tem cor”, a música lusitana que melhor lugar obteve no Festival da Canção, um honroso 6º lugar. Lúcia Moniz tem uma carreira enormíssima, que passa da música pop/rock, a telenovelas na TV, passando ainda pelo teatro musical, entrando em várias produções de Filipe LaFéria, como “Música no Coração” e “West side story”, e colocando a sua elegância subtil em produções cinematográficas. A brilhante participação data de 1996 é acompanhada, entre outros instrumentos, pelo cavaquinho.



Em terceiro lugar está uma das maiores divas da música nacional, ainda em início de carreira. Falo de Dulce Pontes, com a sua “Lusitana Paixão” (1991), um registo memorável da música portuguesa, iniciando a junção entre o pop/rock e o Fado, algo nunca antes feito e, diga-se de passagem, apenas feito brilhantemente pela autora de canções como “O Infante”, “Canção do mar” e “Amor a Portugal”, entre muitas outras. Esta canção ficou em 8º lugar, com um total de 62 pontos. Nesta interpretação que vos deixo, além da voz fantástica de Dulce, realço a sua permanente, que representa fielmente os penteados final-de-80/início-de-90. Deixo-vos ainda um karaoke desta música, para se divertirem a cantá-la.





O segundo lugar conquista-o Anabela, com “A cidade até ser dia”. A voz harmoniosa de Anabela canta o sonho, sonhado durante “a noite” que cai na cidade, cidade essa que é a nossa vida, de modo genial. A “menina Eurovisão”, ou “menina LaFéria”, como ela própria se apelidou em jeito de brincadeira, ficou em 10º lugar no ano da sua participação, 1993, ganhando 60 pontos no total.





Em primeiro lugar, está a vencedora da primeira edição do Chuva de Estrelas, Sara Tavares, a primeira artista negra a representar Portugal na Eurovisão, com a canção “Chamar a música”. A cabo-verdiana ficou em 8º lugar no Festival com este poema cantado de Rosa Lobato Faria (mais uma vez). 1994 era então um ano histórico para a música portuguesa, com a criação de uma das mais belas baladas de sempre, cantadas na língua de Camões.


A Eurovisão assume uma importância enorme em termos culturais, oferecendo-nos, público, canções maravilhosas que se tornam em símbolos de uma época, de um estilo e mais importante que tudo, símbolo do que é ser português. Esperemos que os próximos anos tragam boas canções portuguesas à Eurovisão e se criem mais clássicos maravilhosos. Este ano já se escolheram os 12 concorrentes portugueses. Desses 12, apoio a música de Romana e dos Flor de Lis. Parecem-me as mais ricas em qualidade e sentimento, afastando-se do triste espírito comercial da Eurovisão dos últimos anos. Logo veremos o que o futuro nos reserva. Entretanto, brindemos ao glorioso passado e à música de qualidade portuguesa.

sábado, fevereiro 7

Cinema: O Feitiço do Império Português

Depois de vos falar sobre António Lopes Ribeiro, hoje apresento-vos o seu primeiro filme realizado sobre as colónias africanas de Portugal.

Este filme é intitulado por “Feitiço do Império” e aqui têm a sinopse do filme.

Sinopse: Emigrante português nos EUA, Francisco Morais não esquece a sua terra natal e também devido ao pouco entusiasmo do filho que se quer nacionalizar americano, decide leva-lo a uma caçada em Angola. Assim, ao visitar Lisboa, Guiné, São Tomé, Angola e Moçambique, fica deslumbrado com todas as maravilhas das colónias. Após isto, o portuguesismo e o “feitiço do império” influenciam-no na sua decisão de se nacionalizar americano. E para ajudar, é tratado por Mariazinha, após ser atacado por um leão.

Este filme foi o primeiro que abordou as colónias ultramarinas e a obra do Estado Novo de colonialização. Por isso, esta película foi integrada na Missão Cinematográfica às Colónias de África, da qual António Lopes Ribeiro foi nomeado director, como já referi no meu artigo anterior.

Este documentário sobre as colónias portuguesas em África é considerado pelo realizador como a sua melhor obra neste âmbito. Depois deste filme realizou outros documentários, como por exemplo:

· Exposição Histórica da Ocupação, 1938
· Viagem de sua Excelência o Presidente da República a Angola, 1939
· Guiné, Berço do Império, 1940
· As ilhas Crioulas de Cabo Verde, 1945

Todos estes filmes e documentários, realizados por António Lopes Ribeiro e outros realizadores, sobre as colónias portuguesas como também a Missão Cinematográfica às Colónias de África tinham como (principal) objectivo a exibição do Império português, durante o Estado Novo. Foi uma via que Oliveira de Salazar utilizou para enaltecer o nosso país.

Este documentário estreou no cinema Eden, a 23 de Maio de 1940, o qual teve a honra da presença do ilustre António Oliveira de Salazar, e foi produzido nas instalações da Tobis Portuguesa.

Hoje, deste filme, apenas encontramos a banda de imagem, conservada na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.

quarta-feira, fevereiro 4

Pintura: O Pintor de Alenquer - João Mário

Antes de mais deixo aqui as minhas desculpas, aos leitores e aos restantes elementos do grupo, por na quarta-feira passada não ter publicado nenhum artigo de blog. A razão para não o ter feito foi muito forte, como o nosso grupo realizou na passada sexta-feira uma tertúlia sobre o fado eu, como os restantes elementos, tive muito trabalho durante a semana passada relacionado com a tertúlia. Para além da falta de tempo derivada do imenso trabalho de preparação para a tertúlia, na quarta-feira é quando eu, e mais 3 elementos do grupo, temos teatro (o que ocupa a tarde quase toda) e eu na terça-feira e na quinta-feira tenho o meu curso de pintura à noite a que eu, na semana passada, não podia faltar.

No último artigo de blog que publiquei, iniciei uma nova fase para os meus artigos: a segunda metade do século XX. Desta forma hoje vou vos apresentar um pintor de Alenquer (perto do nosso concelho): João Mário.
João Mário Avres D’Oliveira nasceu a 1932, em Lisboa. Desde muito cedo foi residir para Alenquer onde actualmente tem o seu ateliê e um museu com o seu nome. A vocação para a pintura foi sentida por João Mário desde muito cedo, em 1950 dedicou-se exclusivamente à pintura a óleo e passou a frequentar o curso de desenho e o de pintura na Sociedade Nacional de Belas Artes. Após este curso, passou a ter aulas de pintura ao “ar livre” com o prestigiado mestre de pintura Álvaro Duarte d’Almeida.

A sua primeira exposição teve lugar em Lisboa no Salão Colectivo da Sociedade Nacional de Belas Artes, no ano de 1954. Todos os quadros que João Mário expôs foram adquiridos por um coleccionador inglês dotado de uma certa importância. Desta forma o pintor passou a expor anualmente neste salão (até 1974), o que, em 1958, lhe valeu uma Menção Honrosa da Sociedade Nacional de Belas-Artes. Em 1965 João Mário viaja pela Europa e pinta várias telas em países como a Espanha, a França, a Itália, a Alemanha, a Áustria e a Suíça, obras estas que foram expostas e vendidas na sua totalidade.

Em 1967 é eleito membro do Grupo de Artistas Portugueses. Em 1987 viaja novamente pela Europa, expondo em Madrid no ano de 1990. Um ano depois expõe na Galeria Euroarte em Lisboa, exposição essa que intitulou como “Homenagem a Lisboa”. Finalmente em 1992 inaugura o Museu João Mário em Alenquer que conta com cerca de 400 dos mais prestigiados artistas portugueses e estrangeiros. (Aproveito esta deixa para vos aconselhar a visitar este museu, infelizmente ainda não tive oportunidade para o visitar pois quando foi a Alenquer para o efeito o museu encontrava-se fechado).

Os quadros de João Mário encontram-se em vários museus e instituições (câmaras, bibliotecas, restaurantes…) nacionais: em Ovar, Vila Franca de Xira, Sintra, Figueira da Foz, Tábua, Sabugal, Viseu, Portimão, Lisboa, Nazaré, Santarém, Porto, Alenquer, Sesimbra, Ota e Montejunto. Para além de todas estas localidades portuguesas, também se pode encontrar obras do pintor João Mário pelo mundo, principalmente em colecções particulares, como por exemplo: na Alemanha, Angola, Argentina, Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos da América, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Japão, Suíça e Venezuela.












João Mário já realizou cerca de 54 exposições individuais, 179 colectivas e possui cerca de 34 prémios. Atrever-me-ia a dizer que João Mário é um grande pintor, mas como aprendi ontem com o meu mestre de pintura a palavra “pintor”, dita da forma anteriormente referida, é também utilizada como um insulto, significa “aldrabão”, por isso fico só por dizer que João Mário pinta extraordinariamente bem!

Prémios:
1958-
Menção Honrosa da Sociedade de Belas Artes
1959- Prémio Abidis Hotel de Santarém
1960- 1º Prémio de Pintura a óleo
1961- Medalha de Prata em Pintura
1962-Prémio pecuniário
1966- Medalha de Honra em ouro
1967- Medalha Cidade de Abrantes
1970- Prémio Governo Civil de Lisboa
1971- Prémio Companhia de Seguros Império
1972- Prémio Câmara Municipal de Santarém
1973- 2º Prémio de Pintura a óleo
1979- Prémio Câmara Municipal de Alenquer
- 1º Prémio da Secretaria de Estado da Cultura
1980- Prémio da Escola Ferreira Borges
- 5º Prémio Olisiponense
1981- Prémio de Honra “Crítico de Arte Prof. Reynaldo dos Santos”
- Menção Honrosa da Câmara Municipal de Lisboa
1982- 1º Prémio Bayer
1983- Medalha de Prata
-Medalha
1984- 2º Prémio
-Prémio BES & Comercial de Lisboa
1985- Prémio de Honra “Pintor Rosa Mendes”
1987- 1º Prémio Pintura “Reader’s Digest”
1988- 1º Prémio Pintura
1989- Menção Honrosa
-Prémio Galeria de Arte Capitel
1993- 1º Prémio em Pintura
-Medalha de Mérito (Grau Ouro)
2001- 2º Prémio em Pintura
-Medalha de Prata
- Prémio Oscar Della Cultura 2001 (Florença, Itália)
2005- Medalha de Mérito Cultural da Academia de Artes e Letras de Paranaguá (Brasil)

segunda-feira, fevereiro 2

Música: (In)Sucessos dos anos 80 na Eurovisão


Virada uma página, e ainda mais importante, uma década, Portugal continua a sua saga pela Eurovisão. Esta jornada pode ser vista pelo lado do sucesso e do insucesso. Sucesso para nós, país á beira-mar plantado, que assistiu ao aparecer de mais clássicos, ao florescer de autênticos êxitos pop lusitanos, que nem sequer roçam o popularesco (bem…alguns não roçam!). Por outro lado, observamos o fracasso na tabela final da Eurovisão de cada ano, durante esta década, em que Portugal não escala ao topo, por mais rezas e promessas a Fátima que se façam. Em resumo, perde a Europa, pois que não/nunca vota pelas grandes canções portuguesas, e ganhamos nós, vendo nascer uma nova cultura musical, cada vez mais distante do Fado e próxima do futuro(não que o Fado não seja futuro, mas diversifiquemos!). Os anos 80 haviam chegado. A música mudara, a qualidade continuava enormíssima, a atitude europeia continuava a roçar a injustiça (esse ser que se passeia por perto das mais sujas lamas…). Enfim, más avaliações à parte, recordemos aquilo que de melhor se fez de português na Eurovisão durante os anos 80. Escolhi 5 representantes da época das bolas de espelho e das calças á boca de sino. Espero sinceramente serem pertinentes as escolhas.

Abrimos os cinco mais desta semana com Dora, e o êxito “Não sejas mau pra mim”, a primeira participação da “Menina das Botas” neste festival, umas vez que voltaria dois anos depois com…”Voltarei”. 1986 é ano de “Não sejas mau pra mim”, uma canção que marcou uma geração, a das mães dos actuais adolescentes e com efeito-pastilha-elástica após audição, pois que se pega e não sai. Recordemos a actuação, a lembrar uma Whitney Houston da língua de Camões (não…o exagero não é assim tão grande.) e com uma saia verde inesquecível que voltou á moda por volta de 2004.





Em quarto lugar estão os DaVinci que tentam conquistar a Europa com o seu single “Conquistador”, numa letra que canta os feitos portuguesas e recorda a sua época de ouro. Foram os representantes de 1989. Fiquem com o videoclip desta canção portuguesa, não com a actuação, pois que o vídeo é extremamente engraçado e completo demais para não ser visto.





A medalha de bronze entrego-a a José Cid, com uma canção que mais parece uma aula de línguas, do que uma música no seu sentido lato. Falo então de “Um grande, grande amor”, de 1980, que com o seu refrão multinacional bem que merecia uma boa pontuação por parte de franceses, ingleses e alemães…o facto é que realmente recebeu mesmo a tal boa pontuação de que falava, posicionando-se num honroso 7º lugar (se bem que nos tenha ficado a saber a pouco.).





Pelo segundo lugar, ficam as inspiradoras das Spice Girls e tudo o que é girls-band á face da Terra, as grandes Doce! “Bem bom” é uma canção que toda a gente conhece, e quem não conhece é excepção rara. Esta música valeu às Doce o primeiro lugar no Festival RTP da Canção de 1982, e depois um 13º lugar no Festival da Eurovisão. Do grupo faziam parte Fá (Fátima Padinha), Teresa Miguel, Lena Coelho e Laura Diogo. Recordemos agora a actuação original, e depois uma actuação da mesma música no programa “Diz que é uma espécie de Reveillon”, onde podem reparar que, apesar do peso da idade, o talento se mantém. Nesta última actuação, Zé Diogo Quintela substitui Laura Diogo que agora vive na Califórnia.









Em primeiro lugar, Carlos Paião com “Playback”. Palavras para quê, é uma das maiores músicas do repertório pop/rock português, de um artista que apesar de já cá não estar, ainda toca os corações de todos os que o ouvem. Fiquem com esta canção de 1981. Antes, uma curiosidade: a corista vestida de amarelo é a actriz Ana Bola, conhecida por programas como “Herman Sic” e “VIP Manicure”.



Literatura: O Poeta da própria pele

E por que lhe chamo esta expressão, entre variadas outras que podia escrever para nossa memória de quem foi Fernando Pessoa? O significado que coloquei na expressão liga-se com o fenómeno mais marcante da sua obra: a heteronímia, a criação de almas distintas dentro da sua alma. Afirmo então que dentro da alma de Pessoa viviam quatro ou cinco poetas, mas só um deles - ele próprio - dentro da sua pele. E aqui tenho explicado o rasgo de irreverência que quis trazer à vossa leitura semanal.

Por muito me doerem os braços do pensamento, e muito em recordação dos escritos do nosso poeta, hoje debruço-me somente sobre um tema em particular. Depois de na passada semana, há sete dias, ter apresentado o decorrer da vida do marco principal da literatura portuguesa do século passado, hoje referirei a obra literária, aliás poética considerando a necessidade do rigor, deste grande génio que viveu onde nós vivemos. O legado literário que este homem nos deixou, ele que agora repousa no Mosteiro dos Jerónimos com os maiores êxitos do país, não pode nem deve ser avaliado como espelho de angústias e de desespero, de hesitação e de pouco fascínio: a razão que Fernando Pessoa sempre buscava permitiu-lhe estabelecer um leque muito vasto e inteligente de filosofias que nos elucidam quanto à atitude que se deve ter perante a vida e consegue mostrar-nos as fraquezas desta realidade, que aos menos atentos pode parecer evidente e firme, mas que o não é intensamente.

Entre toda a literatura que possui a assinatura do próprio homem como rodapé, apenas um conjunto especial de poemas terminou publicado em livro antes da sua morte: A Mensagem. Reportando-me a informações trazidas muito em especial das aulas, é certo que apenas um verdadeiro português saberá ler, positivamente ler e entender, o livro lírico e épico de Fernando Pessoa. Isto porque só é verdadeiro o português que houver lido a maior obra literária da Humanidade, Os Lusíadas, do Camões. É como se a grande verdade dos grandes feitos e glórias de Portugal, hoje, no nosso país, vagueassem ainda nos metros que unem as estátuas de Pessoa e de Camões, ambas no Chiado de Lisboa. Porque, procurando dizer o que corresponder à realidade e o que é justo, foram estes dois génios da palavra que definiram e justificaram as honras que ilustram o passado do nosso povo. E, apesar do passado não mais fugir por ser nosso, não é menos certo que o passado, sem acções que o façam renascer, acabará nunca regressado. A preocupação e a sabedoria do poeta do Chiado foi justamente esta: demonstrar como todo o nosso belo caminho para o futuro, para ser consolidado, necessita o contributo, na forma de acções, de cada um dos portuguesas e de nenhum em especial que se sente no comando da nação. De todos nós em simultâneo, que organizemos uma força que, como antes, nos leve à frente de tudo a dirigir os interesses de nós próprios. Grandes e muitos, nós nunca fomos... mas ainda assim conseguimos uma forma de ser grandes, sendo grandes uma palavra diferente de grandes que disse anteriormente (entenda-se o jogo de palavras relativamente à grandeza perdida de Portugal, ou prefiro dizer grandeza adiada, que se cansou das nossas gentes e mais tarde voltará pelo esforço que reconhecemos necessário.)

A Mensagem pretende chamar o leitor para esta realidade que é pouco fantasiosa e que não advém, como grande parte da poesia de Fernando Pessoa, da sua grande imaginação. Este livro, este estilo de epopeia contemporânea, dita o caminho que devemos, enquanto portugueses de hoje, prosseguir: olhar o passado com consideração e respeito, mas entender que nada do que foi alcançado pelos portugueses foi obra somente do Destino: pois seremos sempre capazes de retornar ao passado glorioso! A Terra é nossa se quisermos! O mar é nosso se quisermos!

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Aqui temos o verdadeiro poder do conjunto, porque nada somos individualmente se possuímos todo um povo que nasceu para, renunciando ao bem-querer de si próprio em particular, se unir em busca do triunfo que nenhuma outra nação entende possível. No entanto, deixámos esmorecer, hesitámos após vencer, como se concebêssemos que a vitória era malograda e não feita à nossa medida. Mas necessitamos renascer, morrer agora e fazer como a fénix faz: deixar morrer para, ao renascer, ser mais forte.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

A mensagem é esta: está na hora de renascermos e deixar reviver, nas nossas almas, a alegria e orgulho que os nossos antepassados testemunharam quando, do nosso mar, chegavam as notícias que éramos os melhores... Que delícia que é ler este livro e achar, por ser certo e concreto, que todos juntos havemos de conseguir, trabalhando, trabalhando. Pensando, se quem nos fez, fez-nos a pensar.

A primeira edição deste livro foi no ano de 1934, e a segunda no decorrer de 1941: em plena ditadura. Agradeçamos a Salazar, se não muitas vezes o fazemos, o apoio que este deu a Fernando Pessoa. Sabemos bem, no entanto, que se o fez foi por uma obra literária, do cariz patriótico que esta defende, revelar-se útil como propaganda do regime instaurado. O Secretariado de Propaganda Nacional classificou esta obra na segunda categoria de um concurso literário, porém com a compensação do mesmo prémio monetário do primeiro classificado. Fernando Pessoa morreu pouco depois, mas aceita-se que este esperasse a publicação deste livro para, posteriormente, lançar toda a sua obra e dos seus heterónimos.

E então, como liga ao que acabei de escrever, falarei brevemente da obra poética do ortónimo Fernando Pessoa: o próprio escreveu, numa perspectiva da sua literatura, que é um fingidor, e que tudo cria com o pensamento que imagina e fantasia... Isto levou a que, pelas décadas que têm passado, muitos curiosos não tenham satisfeito a sua curiosidade em relação a aspectos biográficos do poeta - este conserva-se um enigma! Ninguém pode afirmar sem hesitação que Fernando Pessoa era e sentia aquilo que escrevia. A sua obra, todavia, é marcada de um sensacionismo vincado, expresso na linguística do movimento literário que introduziu em Portugal e que sempre defendeu com severidade: o modernismo. É, mais do que os seus heterónimos, utilizador da métrica e rima, lembrando-nos, numa primeira análise, um pouco o rigor de outros tempos, como Camões ou Bocage. No entanto, conclui-se depois que o que Pessoa pretendia era trazer à sua poesia e aos seus desabafos a razão, aperfeiçoando a sua literatura com regras que ajudam o pensamento a chegar mais alto. "A razão aperfeiçoa os sentidos", poderia ele ter escrito, mas deixou para que eu o escrevesse.

Por assim dizer, a heteronímia foi, em grande parte, a forma encontrada pelo Poeta para nos dar uma perspectiva alargada e múltipla da realidade em que vivemos: dá-nos, através de várias assinaturas e várias personalidades, os vários lados da verdade e diferentes filosofias, todas correctas mas todas distintas. E é sobre a obra poética dos heterónimos de Fernando Pessoa que escreverei os dois próximos artigos deste espaço sempre vosso.