Como é possível que uma carreira tão curta, em termos temporais, tenha dado tanto a Portugal e à sua evolução musical para o futuro? Ninguém sabe dizê-lo, visto que a magia das canções de António Variações é apenas decifrável em sentimentos, e não em palavras.
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António Variações é a fonte deste rio que hoje corre pelas rádios nacionais, e por todos os locais onde se ouve música portuguesa moderna, ou seja, sem deixar o tradicional (a sua inspiração era Amália Rodrigues!), e criando novos rumos para as notas musicais, e arranjamentos instrumentais, Variações definiu muito do que é o pop português do momento e dos últimos anos, influenciando uma grande parte dos cantores e bandas portuguesas da actualidade, que se inspiram no seu estilo único para criar música original, cantada em português, mas com um grande sentido internacional (leia-se, exportação e divulgação da música portuguesa lá fora).
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As músicas deste "bicho do pop", incompreendido por muitos e extremamente subvalorizado, constam na memória de muitos portugueses, sendo que quase ninguém pode afirmar que desconhece estas três canções abaixo apresentadas:
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"Estou Além" transborda o conceito de insatisfação humana, uma vez que nós, seres viventes racionais, queremos sempre mais, e pedimos o que não temos e o que é impossível ou difícil de alcançar. Esta música fala ainda da busca inecessante pela felicidade e vida perfeita, procurando cada um o "seu mundo, o seu lugar", isto é, um emprego decente, uma família estável, dinheiro para viagens e divertimentos, fama, sucesso... Ouçamos a música.
Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P'ra não chegar tarde
Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão
Vou continuar a procurar a quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só
Quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P'ra outro lugar
Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
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"É p'ra Amanhã" é outro dos grandes sucessos do eterno cabeleireiro da baixa lisboeta. O tema é claramente inspirado num dos hábitos típicos da maioria lusitana...o adiamento, ou deixar para depois. A canção alerta ainda para os perigos de adiar coisas tão importantes, como quase todos fazemos todos os dias, porque "amanhã" podemos já cá não estar. Assim, mostra-nos que devemos fazer tudo o que temos de importante a fazer, sem que esperemos por depois. Podemos associar a mensagem da letra à ideologia do "Carpe Diem".
É p'ra amanhã
Bem podias fazer hoje
Porque amanhã sei que voltas a adiar
E tu bem sabes como o tempo foge
Mas nada fazes para o agarrar
Foi mais um dia e tu nada fizeste
Um dia a mais tu pensas que nao faz mal
Vem outro dia e tudo se repete
E vais deixando ficar tudo igual
É p'ra amanhã
Bem podias viver hoje
Porque amanhã quem sabe se vais cá estar
Ai tu bem sabes como a vida foge
Mesmo que penses que está p'ra durar
Foi mais um dia e tu nada viveste
Deixas passar os dias sempre iguais
Quando pensares no tempo que perdeste
Então tu queres mas é tarde demais
É p'ra amanhã
Deixa lá nao faças hoje
Porque amanhã tudo se há-de arranjar
Ai tu bem sabes que o trabalho foge
Mesmo de quem diz que quer trabalhar
Eu sei que tu andas a procurar
Esse lugar que acerte bem contigo
Do que aparece não consegues gostar
E do que gostas já está preenchido.
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Por fim, "O Corpo é que Paga" pode ser escutado de várias perspectivas, uma menos abrangente e mais particular, e uma outra geral. Primeiramente, a ideia de que todo o tipo de substâncias alheias ao corpo que possam causar prazer e danos, como as drogas, ou mesmo o sexo sem protecção, que pode ter o mesmo efeito de prazer imediato, mas problemas mais tarde (doenças venéreas, como a SIDA que, ironicamente, matou Variações); devem ser evitados, porque mesmo que nos saiba muito bem no momento, poder-nos-à fazer sofrer no futuro, ou mesmo matar. Quanto ao ponto de vista geral, podemos concluir, ouvindo esta canção, que temos de ter cuidados com tudo o que nos dá prazer, que em vez de nos trazerem a felicidade, são demónios do mundo disfarçados de anjos, sendo que cabe à cabeça tomar a decisão de não ceder a estas tentações que matarão o corpo. Assim, se a cabeça tiver juízo, o corpo não pagará.
Quando a cabeça não tem juizo
Quando te esforças mais do que é preciso
O corpo é que paga
O corpo é que paga
Deixa´ó pagar deixa´ó pagar
Se tu estás a gostar
Quando a cabeça não se liberta
Das frustações inibições toda essa força
Que te aperta o corpo é que sofre
As privações mutilações (lap tap tere ...)
Quando a cabeça está convencida
De que ela é a oitava maravilha
O corpo é que sofre
O corpo é que sofre
Deixa´ó sofrer deixa´ó sofre
Se isso te dá prazer
Quando a cabeça está nessa confusão
Já sem saber que hás-de fazer,
E ingeres tudo o que te vem à mão
O corpo é que fica
Fica a cair sem resistir (lap tap tere ...)
Quando a cabeça rola pro abismo
Tu não controlas esse nervosismo
A unha é que paga
A unha é que paga
Não paras de roer
Nem que esteja a doer
Quando a cabeça não tem juizo
E tu não sabes mais do que é preciso
O corpo é que paga
O corpo é que paga
Deixa´ó pagar deixa´ó pagar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó sofrer deixa´ó sofrer
Se isso te dá prazer
Deixa´ó cantar deixa´ó cantar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó beijar deixa´ó beijar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó gritar deixa´ó gritar
Se tu estás a libertar
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Este artigo é dedicado ao meu caro e ex-professor Miguel Bagorro,
que me fez ouvir Variações com ouvidos de ouvir, pela primeira vez.
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