domingo, março 22

Música : A Voz da Revolução (aprendamos História…)

Em 1929, ano da crise mundial do capitalismo, nasce um dos maiores símbolos da canção portuguesa e expoente máximo da música de intervenção. O seu nome é José Afonso, ou Zeca Afonso (como preferirem), e passou parte da sua infância em África, com os familiares de Angola ou Moçambique. Porém, é quando volta a Aveiro, terra de nascença, aos 9 anos de idade, que José Afonso se confronta pela primeira vez com os males do regime que viria a combater pelas cantigas, uma vez que viria viver com o tio Filomeno, presidente de Belmonte, onde se vivia o período mais profundo do Salazarismo. Além de que o tio era pró-franquista e pró-hitleriano, levando-o a envergar a farda da Mocidade Portuguesa. Nos finais da sua vida, Zeca Afonso confidenciou que estou foi o período mais desgraçado da sua existência, uma vez que, desde pequeno, que José Afonso não se integrava bem no regime em vigor.

José Afonso começa a dar a sua voz a conhecer por volta do quinto ano do Liceu D.João III, e a sua voz começa a ecoar pela cidade velha, dando-lhe fama, entre os tradicionalistas, de “bicho que canta bem”. Chega a Coimbra, passo importante para a vida e carreira do homem com Liberdade na voz. Nas colectividades conhece “gajos populares” e tocadores de guitarra, como Flávio Rodrigues, sendo que começa a acompanhar a tradição da música coimbrã, tocando em serenatas e “festarolas de aldeia”, sendo as segundas actuações pagas em farnel. O fado de Coimbra lírico e tradicional era superiormente interpretado por si. A praxe académica e a boémia encheu-lhe tardes e noites gloriosamente Coimbrãs, ficando envolvido pela lenda coimbrã, com o encantamento das suas tradições, que o tanto atraiam.

Em 1958 José Afonso grava o seu primeiro disco "Baladas de Coimbra" enquanto acompanha o movimento em torno da candidatura presidencial de Humberto Delgado. E é nesta altura que a sua música começa a ganhar uma dimensão política, em particular aquando da gravação de “Os Vampiros”. que, juntamente com "Trova do Vento que Passa", escrita por Manuel Alegre e cantada por Adriano Correia de Oliveira, constituem um marco fundamental da canção de intervenção e de resistência antifascista. “Os Vampiros” em particular possuem versos explicitamente desagradados com a situação política vivida no país (“Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada!”)


Em 1964 parte para Moçambique. Professor de liceu, desenvolve uma intensa actividade política contra o colonialismo, o que lhe traz problemas com a PIDE e com a administração colonial. Mais tarde regressa a Portugal onde é colocado como professor em Setúbal, mas posteriormente é expulso do ensino. Para sobreviver dá explicações e grava o seu primeiro LP, "Baladas e Canções".

Em 1967-70, Zeca protagoniza uma intervenção política e musical ímpar, convertendo-se num símbolo da resistência. Várias vezes detido pla PIDE, mantém contactos com a Luar, PCP e esquerda radical. Em 69 participa no 1o Encontro da "Chanson Portugaise de Combat" em Paris e empenha-se fortemente na eleição de deputados à Assembleia Nacional da CDE de Setúbal, gravando também o LP "Cantares do Andarilho", recebendo o prémio da Casa da Imprensa pelo melhor disco do ano, e o prémio da melhor interpretação. Alvo de censura José Afonso passa a ser tratado nos jornais por Esoj Osnofa!


Com os arranjos de José Mário Branco, em 1971, edita "Cantigas do Maio”, Neste álbum surge "Grândola Vila Morena" que se tornará um símbolo da revolução de Abril. Desde então Zeca participa em vários festivais. Em 1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática e grava "Venham mais cinco".


E é após a mini-biografia, que quero fazer esta pequeníssima reflexão. Zeca Afonso é mais que um cantor, mais que um simples intérprete. Ele e a sua obra encerram em si uma mensagem subliminar, um grito de revolta com o que estava mal. José Afonso é importante, portanto a dois níveis. Importante como representante popular, e importante como arma.
Isto é, em primeiro lugar José Afonso é o símbolo do sentimento de descontentamento da época, de longe um descontentamento mais grave, profundo e fundamentado que o típico descontentamento que hoje em dia corre nas ruas de Portugal. A voz de “Venham mais cinco” representa os descontentes a sério, e os verdadeiros sofredores, que datam da época do Estado Novo. Aqueles que não eram livres, e que não podiam dizer mais do que era politicamente correcto (literalmente). E toda insatisfação traduz-se nas suas composições e letras, criando verdadeiros memorandos do ambiente ditatorial, letras que nos relembram que não estamos tal mal assim, no nosso hoje, e que nos levam a valorizar algo que temos, mas a ninguém agradecemos (nem aos que por ela lutaram)…a liberdade. Sim, porque as vozes eram emudecidas, e não se podia ser contra o que Portugal era. E é neste ponto que a obra de José Afonso é importante, pois que reflecte uma época da nossa história, melhor que qualquer documento oficial (apenas os depoimentos de quem viveu na altura igualam o testemunho negro destas canções).

Mas além de um lamento queixoso, as canções de José Afonso surgem com outra importância. A importância de serem arma numa revolução sem sangue, sendo a sua música, a par dos cravos, o símbolo de Abril e da luta dos povos. Aliás, as próprias canções em si são uma arma, que influencia a mentalidade dos mais atentos à letra (e ao sentimento, está claro), e os incentiva à revolta contra o regime estabelecido. Ou seja, uma vez que as canções espelham a realidade negra, consciencializam os ouvintes e fazem-nos participar neste projecto anti-fascista. Além de que até uma canção de José Afonso foi senha na Revolução dos Cravos, comprovando a sua importância enquanto arma político-social. Se bem que podem entender melhor o conceito de cantiga=arma ouvindo a seguinte música:


Assim sendo, a obra de José Afonso assume um valor histórico incomparável, sendo o expoente máximo da necessária e útil (não apenas estética, como o nacional-cançonetismo) música de intervenção.






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