Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar
e levou o caminho das conchas em mar
e dos olhos em rio
— quem vem de longe chorar por mim?
Quem sabe que eu findo de dureza
e condensa ternura em suas mãos
para a derramar em afagos
por mim?
Quem ouviu a angústia do meu brado,
sirene de um navio a vadiar no largo,
e me traz seus beijos e sua cor,
perdendo-se na bruma das madrugadas
por mim?
Quem soube das asperezas da viagem
e pediu o pão negado
e o suor ao corpo torturado,
por mim? por mim?
Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome
e seu tamanho — imenso, imenso,
e em mim cabe?
Fernando Namora (1919-1989) foi um poeta português, assim como escritor, autor de romances e ensaios, e ainda médico de profissão. O seu estilo lavrou-se de tendências de diferentes conceitos de literatura. Em geral, é apontado como um incontornável nome do neo-realismo português - porém, como ilustra este poema que aqui apresento, é possível salientar uma expressividade de sensações que se tornou comum pela escrita existencialista, que viria na cronologia a suceder as marcas neo-realistas.
Este poema do poeta de Condeixa-a-Nova (vila cerca de Coimbra) recebeu o título adequado aos aspectos que quero sublinhar nele. O existencialismo, aqui nos seus primeiros passos em Portugal, decorre de uma busca incessante do artista pelas suas origens, pela procura pela filosofia, pelo sentido da existência. Este poema facilmente serviria como manifesto do existencialismo: nele se expõe a dúvida do ser humano; vejamos atentamento o conteúdo do poema, para depois passarmos à forma, deveria ser pela ordem inversa, porém não causa danos e será pertinente.
O sujeito desconhece, e isso o preocupa mais do que o resto, quem tomará na vida o cuidado da dele: quem se importará do seu mal sem que a esse outro alguém lhe surja um mal que lhe abra a vista e tempere o coração com a caridade. Em linhas gerais, simplesmente, ele resume que existem dois pontos de vista de concluir a solidão de todos os sujeitos no mundo: em primeiro lugar a necessidade de sermos por nós próprios, tudo o que precisamos sermos os nossos concessores; em segundo lugar, essa precisão advém da já solidão em que vivemos, escondendo as mágoas e o confronto com as adversidades, que, enquanto estas nos moldam, tentamos omitir, criando entre nós e os outros uma barreira mais e mais espessa, tornando-nos impenetráveis. Pela nossa natureza, iludimos os outros, mesmo quando nos conhecemos. Pois, em geral, nem nós nos conhecemos.
Quanto à forma do poema, nota-se algo que eu já referi em mensagens passadas: uma libertação em relação às normas rígidas que em diferentes séculos forçou os poetas a cumprirem regras rimáticas e métricas. Na verdade, percebe-se a herança e o contributo do romantismo, no século XIX, que introduziu esta liberdade, e mais, pois não conto ainda com o fluir mais despreocupado do discurso, uma linguagem mais acessível. Aproveito a condução deste texto para justificar a gradual concessão de liberdade linguística que marca a História da literatura: no passado, a literatura era dirigida a elites, formadas e donas de um vocabulário rico, e com os tempos e a alfabetização crescente, precisa-se que o conteúdo seja legível e compreensível ao público, caso contrário este optará por outro autor mais contido. Afinal, é sonho dos artistas viverem da sua arte, e na literatura isso resume-se à venda de exemplares. Retomando e finalizando, note-se o início das diferentes estrofes com a introdução da pergunta, sempre igual e fundamental: "quem", pois é essa a questão do poema.
Na semana seguinte darei a conhecer um outro texto de Fernando Namora, concretamente uma reflexão acerca das alterações a que o amor submete as pessoas e até em que poderão conhecer o segredo para o presente perfeito, material ou imaterial.
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