Ocorre-me tratar em vulgares e escassas linhas um vulto da História que, em simples aparência, nada possui ou possuiu que permita a compreensão sobre a razão para agora, antes de nada mais, o abordar. Falo de Albert Einstein, o famoso físico, e a ele dedico estas primeiras palavras por ter sido, entre tantos outros cujo nome me falha por ora, enquanto pequeno, pouco dedicado e mal sucedido nos seus estudos. E toda essa situação, estranha mas em simultâneo propícia no universo dos grandes génios, é contrária à que vivenciou o também grande génio que me compete tratar hoje e em mais três semanas após esta: Fernando Pessoa. E não é assim abstracto o motivo de iniciar a biografia de hoje com o assunto da educação de Pessoa, se, como é sabido e constatado, o nascimento de um sujeito não promove, por si só, a inserção deste, de imediato, no sistema de ensino... Porém, depressa chegarão ao entendimento das minhas razões ao verificar que o sucesso que Fernando Pessoa recolheu nos seus estudos terá contribuído para a formação do grande marco cultural que hoje é para todos nós, enquanto portugueses e enquanto humanos.
Ainda assim, por figurar prudente evitar desconsiderações sobre a minha pessoa (e sublinhe-se o propósito de dizer pessoa neste artigo, e não somente sobre mim), regresso já ao início da nossa narração de hoje. Para que saibam até que limites chegou a minha ignorância passada, hoje por graça superior já morta, a primeira vez que o nome de Fernando Pessoa ecoou nestes ouvidos que são meu pertence, foi quando, passeando alegremente no Chiado, onde, aliás, nunca na vida passeei descontente, avistei, em ferro semelhante ao da cadeira e mesa onde se senta, a estátua graciosa do poeta, defronte do portal majestoso do mais belo e significativo café de Lisboa. Soube à data que se tratava de um importante poeta, e um tremendo número de anos passariam até eu saber que palavras escreveu ele no seu nome e noutros. E como me parece agora, e de novo, necessário justificar o desvio que repeti na nossa narração, escrevo e registo que o realizei para que muitos entendam que, apesar da minha grande ignorância passada, esse mesmo desconhecimento sustentava-se em causas um pouco aceitáveis: Fernando Pessoa é o poeta do Chiado. Entrou isto na minha mente, e hoje, que conheço a sua vida e os seus momentos, não se sumiu essa ideia de dentro de mim, antes a fez consolidar-se e passei a olhá-la com olhos de conhecedor.
Fernando Pessoa, muito antes de sonhar que lhe fariam uma estátua naquele lugar e mesmo antes de sequer pensar em qualquer assunto, nasceu no Chiado, no prédio que se ergue tanto hoje como na altura diante do Teatro de São Carlos, em frente ao qual, aproveito para dizer, foi erigida há um ano uma segunda estátua representativa de Pessoa, interessantíssima, como comemoração dos cento e vinte anos sobre o seu nascimento naquele local, que sempre foi associado a fenómenos culturais. No entanto, este acontecimento essencial na nossa cultura, bem mais influente do que qualquer espectáculo de ópera ali adiante, não se sucedeu à vista de todos. Naturalmente. À ópera só vai quem tem posses; ao nascimento de Fernando Pessoa só vai quem o teve por nove meses no ventre. O poeta conheceu a luz do dia a 13 de Junho de 1888 - um fabuloso ano para a literatura portuguesa, visto que além deste parto foi também publicado o romance Os Maias, de Eça de Queirós. O baptismo de Fernando Pessoa, seria também no Chiado, um mês mais tarde, na Igreja dos Mártires.
A família de Fernando Pessoa, que vivia no mesmo apartamento distinto junto à ópera, não era numerosa como se habituava ver em Lisboa. Viviam na casa os seus pais, irmãos (que só nasceriam depois), a avó e duas criadas idosas. O seu pai conciliava dois empregos: era funcionário público e esboçava críticas musicais para o Diário de Notícias, e deste espírito trabalhador, tal como do reduzido número de membros da família, se pressupõe a vida desafogada que permitia à sua família. Porém, por estupendo infortúnio, seu pai faleceu de tuberculose quando Fernando Pessoa tinha somente cinco anos. Iniciara-se a série de catástrofes, desgostos e transformações que lhe perturbariam o crescimento e amadurecimento psicológico. Sua mãe, por sorte, tornou a encantar-se por um homem ilustre da capital, que servia como cônsul português na África do Sul, para onde se mudariam pouco depois. No entanto, ainda por ocasião da morte do pai de Pessoa, o nosso poeta escreveu o seu primeiro poema e dedicou-o à mãe; tinha, então, como referido atrás, cinco anos.
Por ordem das obrigações que nos colocam a idade, Fernando Pessoa iniciou os seus estudos em terras da África do Sul, na cidade de Durban. A sua educação foi feita parte dela em português e outra parte na língua inglesa. O seu conhecimento profundo do idioma hoje tido como universal permitiu-lhe, ao longo da vida, escrever, expressar-se em inglês, assim como fazer traduções - foi esse o emprego de toda a sua duração neste mundo: tradutor de correspondência comercial. É então sugerido, penso eu, que Fernando Pessoa regressou da África do Sul para trabalhar em Lisboa, da qual sentia falta em terras distantes e a qual sentia curiosidade de olhar com os olhos que já não se recordavam daqueles lugares. De retorno à capital portuguesa, com toda a sua formação a torná-lo um homem invulgarmente intelectual, começou a interessar-se por alguns escritores importantes do panorama literário da História de Portugal, como Cesário Verde e Padre António Vieira.
No entanto, características psicológicas do poeta aproveitariam que este se tornasse mais débil a cada ano, e procurasse refúgio em prazeres menos aceitáveis, como o vício do absinto, que lhe traria, por fim, a doença que o mataria. Aos 47 anos, já internado no Hospital de São Luís dos Franceses havia uns tempos, morria de cirrose hepática. Diz-se que, ao ver a morte aproximar-se, pediu a uma enfermeira que lhe trouxesse para perto os óculos. Debruçou-se sobre páginas brancas e escreveu algumas palavras, para não acordar no dia seguinte: evocou os seus heterónimos e terminou a obra literária com a misteriosa frase "Eu não sei o que o amanhã trará", escrita na língua inglesa. Tinha morrido, em Lisboa, aquele que o influente crítico literário americano Harold Bloom considerou o melhor poeta do século XX, a par com o chileno Pablo Neruda. Fernando Pessoa, para nós portugueses, significa mais: o introdutor do modernismo em Portugal, o génio universal da heteronímia, a grande personalidade das letras portuguesas no século XX e o intérprete e denunciante português das mais rebuscadas sensações e emoções. Um génio... Um artista... Um orgulho... Ele foi tudo isso e tudo o mais que a boa vontade emprestar.
1 comentário:
De facto, Fernando Pessoa é um dos mais ilustres artistas de Portugal, e sim artista considero-o um grande artista.
Já não via o tempo em que aparecia neste blog algo sobre o grande Pessoa. Um grande génio que esteve um passo a frente do seu tempo, e uma curiosidade que me despertou ao ler este artigo, reparem o quanto semelhante era a família de Pessoa a família tipica dos Portugueses do Regime Salazarista, tão bem retratada em "Conta me como foi", passada na RTP, serie essa que se inspira nao nos tempos do nascimento de Pessoa mas sim nos tempos que vieram depois.
Parabéns pelo artigo.
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