Eu venho falar-vos de Aquilino Ribeiro, membro da organização intitulada por Carbonária, que conspirou contra a monarquia portuguesa e originou o assassinato de um rei dos mais inteligentes que houve entre nós, motivada pela razão isolada de ser rei e isso significar sucessor de outros tantos que tais e defender a monarquia por ser o seu topo hierárquico. Opiniões aparte, ou ainda parecerei um monárquico convicto, eu, que olho tudo e nada com toda a desconfiança que encontro, Aquilino Gomes Ribeiro foi dos autores portugueses mais bem sucedidos e de maior qualidade do século XX. Nasceu no século XIX, quando decorria o ano de 1885, mas pela natureza jovem de quem nasce, apenas lhe chegou a maturidade e a carreira quando obteve uma maior idade do que a de nascença, iniciando a sua carreira literária no início do século XX (e portanto incluo-o no leque de escritores que importam recordar segundo o nosso projecto). Enquanto muitos escritores nascem no meio mais propício à criação textual, ou seja, na capital de Portugal ou em Coimbra, sempre capital das letras e da cultura, este homem viu a luz da vida na província, junto a Sernancelhe. Todos temos o conhecimento, alguns de causa, que se acha Portugal entre os países católicos, e na época a que remonta Aquilino Ribeiro, essa característica era essencial no perfil do nosso país. Mais do que nas cidades, a província era um local de religiosidade muito elevada, onde o governador das aldeias, por assim dizer, era ainda o seu pároco, pai de todos (apenas espiritual, pois senão cuidado com o pecado). Estas origens justificam a vontade da família, e a início do próprio futuro escritor, em tornar Aquilino Ribeiro um padre. Frequentou seminários em diversos lugares, como Lamego, Viseu e Beja, mas por fim desistiu, aparentemente por ausência de vocação. Perdoem-me, mas talvez Deus não quisesse como seu servidor um homem que conspiraria contra el-rei: lembrem-se que é o rei o escolhido do superior Deus para governar o seu país.
- "Mas homem com mocotó."
- "Atropelava-se a gente no patim"
- "Bem sabia ele que não há, para ganhar a simpatia do serrano e fazer-lhe entreabrir a beiceira no franco sorriso fraterno ou exalçá-lo à simpatia e admiração, como uma saúde à boca das pipas."
- "E, a esconder a vergonha, abraçava-o tão abraçado, que toda a sua cabeça se lhe amassagou contra o peito mamaçudo"
- "Tudo na mesma, a velha aldraba, puída de tanto se lhe pegar, o espelho da fechadura escantilhado a uma banda, a couceira de lenho fibroso e terso, não chamassem ao castanho os ossos de Portugal."
- "(...) as pernas escanchadas."
- "Temia-se do génio dele e lá se pôs a esfregar fósforos, um atrás do outro, na caixa que tinha a lixa esfarpada até que conseguiu acender a luz."
Para terminar a curta, penso, abordagem de Aquilino Ribeiro com que pretendo agraciar-vos o bastante, permitam-me nova citação, desta vez de Vitorino Nemésio, um poeta e romancista açoriano nascido em 1901, que apreciava largamente o legado literário de Aquilino.
"A força plástica e musical do mundo aquiliniano é admirável. A serra portuguesa, a aldeia patriarcal, o rebanho transumante, vivem nos seus livros como a vida flamenga e holandesa nos quadros dos grandes pintores dos Países Baixos."
Como referi há instantes, é um assunto complicado procurar inserir a obra de Aquilino Ribeiro num movimento artístico da época, nomeadamente no modernismo, que vigorou na época em que este autor se revelou. Relembro aos que me seguem que presentemente estou a apresentar modos de escrita e escritores que resistiram ao modernismo em altura em que a arte moderna foi vigente: abordei Júlio Dantas, opositor activo do modernismo, e agora Aquilino Ribeiro, um escritor brando a nível de rivalidades literárias, mas acérrimo defensor da revolta política. Na próxima semana, com efeito, o modernismo inundará este espaço e nele recairá a minha preocupação estética. Iniciarei por uma outra biografia, e ouso rogar perdão por teimar tanto em biografias neste espaço onde devia facultar mais ocasiões para uma maior diversidade de assuntos. Porém, creio que uma biografia é a forma indicada de iniciar o público ao escritor do qual vou falar com tamanha naturalidade, como se ele na escola se sentasse à minha beira e eu, com ele na dianteira, brincasse aos jogos que divertem as crianças. Bem, falo de Mário de Sá-Carneiro, fundador da já referida revista Orfeu, sobre quem escreverei daqui a sete curtos dias.
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