Para este artigo decidi que vos iria apresentar o pintor neo-realista Júlio Pomar.
Nascido em 1926, Júlio Pomar foi o protagonista do neo-realismo em Portugal nos anos 40 e 50 e é considerado um dos maiores nomes da arte europeia.
A família queria que fosse engenheiro ou arquitecto, porém foi para Escola Superior Belas-Artes em Lisboa e no Porto estudar pintura depois de ter frequentado a Escola António Arroio. Em 1947, com 19 anos, realizou a sua primeira Exposição Individual no Porto (onde apresentou algumas das suas obras mais emblemáticas) e mais tarde, aos 37 anos, foi para Paris.
O seu primeiro quadro a ser vendido foi uma cena de saltimbancos, que foi vendida em 1942 ao reconhecido Almada
Negreiros.
Durante a sua estadia no Porto fez parte de um grupo de jovens intitulados “ Os Convencidos da Morte”, este nome surgiu em oposição ao movimento “Os Vencidos da Vida” do século XIX ao qual pertenciam nomes como Eça de Queirós e Antero de Quental. Apesar de algumas pessoas terem associado este grupo a implicações políticas, o grupo de jovens “Os Convencidos da Morte” só participava em exposições e as únicas implicações ou intervenções que tinha era a nível cultural. Porém Júlio Pomar foi expulso da Escola Superior de Belas-Artes no Porto devido à sua participação no Movimento de Unidade Democrática, e mais tarde a PIDE procedeu à destruição de um grande mural da autoria do pintor.
Júlio Pomar, actualmente com 82 anos, viveu intensamente a cena política que se vivia em Portugal. Por volta do ano de 1947 foi preso em Caxias, assim como o seu quadro “Resistência” que foi capturado pela PIDE.
Os acontecimentos do golpe de estado a 25 de Abril de 1974 envolveram intensamente o pintor e, a 10 de Junho desse mesmo ano participou, em conjunto com mais 48 artistas, na composição de um painel comemorativo da queda do regime fascista.
Já tendo feito várias exposições, tendo dado aulas de desenho, reivindicado contra o regime político, e dado o seu contributo ao país a nível da pintura e da escultura, aos 60 anos da sua carreira artística o maior desejo de Júlio Pomar é formar a sua fundação.
ANEXO: notícia de 3 de Agosto de 2008
“«Salazar ajudou-me a fazer a opção pela pintura»
JORGE FIEL Texto e ORLANDO ALMEIDA Foto
Entrevista com Júlio Pomar. Acha que a vida é uma espécie de loja de tintas ou dicionário em movimento e actua em conformidade. Não ser capaz de se repetir e viver sempre a mudar o botão fizeram- -no viajar até aos 82 anos com um humor invejável e uma arte notável. Era jovem e dava aulas quando Salazar implicou com um retrato que fez de Norton de Matos e o expulsou do ensino. Ele agradece ao ditador tê-lo obrigado a ser pintor - e também escritor de poemas, ensaios e fados.
Uma das coisas que surpreende na sua arte é que está em ruptura constante e sempre a absorver as novidades. A que se deve esta inquietação e permanente mudança?
Um dos vícios que tenho é não ser capaz de repetir as coisas. Eu não sei o que seria de mim se fosse funcionário público e tivesse de estar sempre a escrever naqueles livros imensos. Bem, agora já não se escreve nos livros.
Agora é ao computador.
Exactamente! Lembro-me de uma vez em que tinha de pagar a taxa militar, por não ter feito tropa, e fui a uma repartição que ficava num terceiro andar no Bairro Alto. Parecia uma cena de teatro amador. Havia uma lâmpadazinha lá em cima, muito fosca, e um senhor com mangas de alpaca - aquilo que no Porto se chama manguitos, aqui em Lisboa interpretam manguito de maneira diferente -, com um lápis, daqueles muito grossos que davam nos stands de automóveis, a querer meter um número com não sei quantos algarismos numa colunazinha que teria um centímetro. É claro que chegava ao fim e não cabia. Ele pegava na borracha e tentava de novo. Fez isso não sei quantas vezes. Juro que é verdade. Não era teatro de amadores, nem revista do Parque Mayer.
Essa capacidade de viver sempre a mudar o botão é extensível às novas tecnologias? Usa telemóvel?
Não. Chulo o próximo. Não, até já comprei um, mas não me dá jeito. Depois é uma coisa muito pequenina, os meus dedos não se habituaram. Aqui há uns anos, estava com o Jorge Sampaio e o Siza numa manifestação e eu precisava de fazer um telefonema. O Álvaro Siza não tinha, o Jorge Sampaio também não, mas a coisa resolveu-se logo, porque um presidente nunca vem só.
Havia um assessor por perto...
Uma data deles! Um puxou logo do telemóvel que até parecia que estava a sacar de uma arma. Rimo-nos muito.
E fotografias? Tira fotografias?
Não tiro fotografias e não guio automóveis. Eu até gosto muito de automóveis, mas as máquinas comigo não dão.
A fotografia nunca o apaixonou?
Ainda há uns anos fui comprar uma máquina. Mas a minha maneira de olhar para as coisas é completamente diferente da visão do fotógrafo. Eu acho que nós estamos ainda na pré-história da fotografia. No fundo, para a fotografia é como se o mundo fosse uma salsicha ou um chouriço. É um corte. É um corte no tempo. Ora a minha visão é ao longo do tempo. Das poucas vezes em que eu peguei numa máquina, quando ia para disparar, já tudo tinha desaparecido. Não sei se estou a ser claro. O processo é completamente diferente. A fotografia é outra coisa. Não tem nada a ver. É como quase escrever um texto de opinião ou um romance.
Mas usa muito a fotografia no seu trabalho...
Sim, sim, uso fotografias. Sobretudo fotografias que, digamos, ficaram na minha memória. Trabalho sobretudo só com a memória.
E tem boa memória?
Não, não, não, não... Há dois tipos de memória, como há duas maneiras de olhar para as coisas. Há uma memória ou uma visão que é abrangente, que apanha tudo sempre, e, do lado oposto, há o querer ver uma coisa e só se ver uma coisa. Isso é muito engraçado. Há pessoas que quando vão na rua olham para todos os lados, vêem os cartazes, vêem tudo. E outras pessoas vão determinadas no seu caminho e não vêem nada. Ainda há dois dias ou três, estava com a Graça Morais, disse-lhe que Lisboa está cheia de galerias por todo o sítio, contei-lhe de uma conversa com um motorista de táxi que falou de um amigo que se tinha divorciado e para compensar a senhora.
(…)
Há mais de 30 anos que reparte a vida entre Paris e Lisboa. Este permanente vaivém entre dois mundos influencia o seu trabalho?
Há muitos dias em que eu não saio à rua, tanto aqui como em Paris, ou então só saio para jantar com uns amigos. Já não sou aquele Júlio Pomar que andava pelas ruas quase sem destino e fazia grandes trajectos a pé. Isso hoje não sou capaz de fazer ainda.
Porque é que continua a ir para Paris?
Primeiro, porque me habituei muito a trabalhar em Paris.
Mas é mais produtivo lá?
Não, isso é igual. Quando fui para Paris, tinha a necessidade de ver coisas, saía todos os dias. Nessa altura, seria impensável um dia fechado em casa. Mas agora tenho lá os meus amigos, etc. E depois, repare, há outra coisa, hoje as pessoas se não têm uma casa de fim-de-semana ficam desqualificadas. Ou menos qualificadas. Se nasceu na província, volta-se à terra natal. Tive a pouca sorte de nascer em Lisboa, quem nasce em Lisboa não tem terra. Voltando à Graça Morais, ela é de Trás-os-Montes e, portanto, tem terra aonde voltar.
(…)
Durante os 60 anos que leva a trabalhar, alguma vez teve ordenado fixo ao fim do mês?
Tive. Quando fui professor. Era bastante novo e dei aulas de Desenho na Escola Afonso Domingues.
Durante quanto tempo?
Acho que um ano e picos. Porque entretanto foi a campanha do general Norton de Matos. Fiz um retrato, que teve uma grande popularidade entre os rapazes que diziam "lá vi a caricatura do sr. doutor", mas parece que Salazar se interessava sobre as actividades dos seus subordinados e mandou-me embora. O que só me fez bem. Imagine você que eu me tenho habituado? Eu não sou de massa diferente.
Podia ter entrado naquela rotina?
Podia ter entrado naquilo. A massa não era diferente. Simplesmente tinha de sobreviver, tinha de tentar por todos os lados. E como não tive jeito para aquelas coisas que se faziam na altura, as publicidades e os cartazes. No meu tempo, os meus colegas todos iam para um atelier de publicidade. Foi o que aconteceu ao Vespeira, ao Fernandes Azevedo, essa gente já toda morreu. Era a perspectiva que havia à frente, não é?
O Salazar ajudou-o a fazer a opção pela pintura a tempo inteiro?
O Salazar e a falta de jeito para as coisas da publicidade. E eu tentei muitas vezes.
Ai tentou?
Tentei, pois. Já tinha filhos, etc. Tinha de sobreviver de qualquer maneira.
Quando foi para Paris, com 37 anos e já homem feito, já vivia da pintura?
Eu não vou para Paris em princípio de vida, como foi gente do meu tempo, o Eduardo Luís, o Costa Pinheiro e outros. Nessa altura, eu já estava a poder viver, bastante modestamente, é preciso que se diga, do meu trabalho.Partiu para viver e aprender coisas novas?
Sim. Foi fundamental porque a informação e a preparação aqui eram praticamente inexistentes. E nada nasce do nada. Nas artes há muita aprendizagem. E nessa altura em Portugal o ambiente à volta era muito pobre.
Tinha um tio que queria que fosse arquitecto ou engenheiro. Desde que se lembra sempre quis ser artista?
Todo o menino que gostava de desenhar a família mandava-o para arquitectura. Até que um dia, estava eu na escola primária, esse meu tio, que era uma espécie de chefe da família, veio com a ideia de que eu devia era ir para engenheiro, porque era mais importante do que arquitecto.
Entrou-lhe por um ouvido e saiu-lhe pelo outro?
Fui para Belas Artes e nem sequer para arquitecto, mas sim para aprender pintura.
Gostou da escola?
Aqui em Lisboa, Belas Artes era um sítio absolutamente tenebroso, dirigido por um homem chamado Luís Alexandre da Cunha, arquitecto, ao que se dizia, mas cuja obra na pintura parece que foram, enfim, uns sanitários de uma estação de comboios. Era um homem que era perfeitamente monstruoso e com ideias definidas. Quem vinha da Escola António Arroio, como era o meu caso, não passava. Chumbava-nos.
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