O anterior vazio dos meus conhecimentos acerca do período neo-realista findou e fundou no seu lugar uma vasta noção de conceitos e saberes. Escolhi, há tantas semanas que se tornaram meses, iniciar por esta época o percurso que vos desejo mostrar integralmente e fazer apreciar, por ocasião do aniversário do museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, cidade natal do maior nome: António de Alves Redol. Como na cronologia se tornou evidente, assim sucedeu com o meu estudo descobrir os limites próximos do dito movimento: em boa verdade, uma tendência que se estabelece como defensora da linguagem mais simples e directa, contrariando os desejos de mudança e apologia da mística da alma, assinalaria no futuro breve a sua morte. A literatura é uma arte, e isso faz dos seus escritos de uma elevação superior à dos textos jornalísticos... Precisa dos seus desafios constantes, precisa de alterações na sua concepção, precisa que se ignore a sua função fundamental e que se ignore uma fórmula de sucesso.
Entendem então como se ditou a morte do neo-realismo por todo o mundo ocidental: reconhecendo os seus limites, diferentes vultos, e entre eles os mais promissores escritores do neo-realismo, enveredaram por tendências inovadoras e que aprofundassem o sentir humano e a sua incapacidade de não ceder às imperfeições. Entre eles encontramos Vergílio Ferreira, que apostou na temática existencialista com enorme sucesso nos parâmetros de qualidade, e José Cardoso Pires.
Com a chegada de novos tempos e oportunidades, como a Revolução de Abril, a literatura esqueceu a sua função social e o livro tornou-se, cada vez mais, o espelho das mãos que o escrevem, isto é, o escritor introduz nas suas obras todas as características que tornam a sua escrita fluente, não reconhecendo qualquer importância aos pressupostos ou às tendências de outros colegas.
Porém, no início do século, persistia duradoura a batalha ideológica, no seio da comunidade intelectual, entre apoiantes da via romântica e da via realista, que se afirmara no século XIX: o romantismo havia sido cultivado por Garrett, Herculano e Camilo, enquanto o realismo, opondo-se ao anterior e congeminando pelo seu fim, representava os ideais literários de Antero de Quental e Eça de Queirós. Este último, maior vulto do movimento realista, deixou o mundo literário e o mundo físico no ano de 1900, deixando um vazio no seu lugar, que foi ocupado por nomes que defendiam um regresso ao romantismo, o chamado neo-romantismo que nunca se afirmou grosso modo. Destaca-se Júlio Dantas neste período, e depressa o modernismo estabeleceu-se como a vanguarda cultural que se prometia pela mudança de século e tensões sociais que aterrorizavam a Europa entre 1910 e 1920. Com a revista Orpheu e Presença, a produção literária cingiu-se à poesia. O romance só regressaria em força com o neo-realismo, que nos anos 30, até aos anos 50, preconizavam a abordagem dos conflitos sociais, motivados pelas alterações políticas europeias e instituição de regimes ditatoriais, inclusive em Portugal.
Na próxima semana, explorando este percurso, publicarei o manifesto Anti-Dantas, que revolucionou o pensamento português e lançou o modernismo em Portugal.
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