Este senhor, que significa mais aos homens de hoje como o terrível humilhado quando do manifesto do modernismo por Almada Negreiros, escolheu a medicina como o seu talento merecedor de estudos superiores. Estudou esta ciência nas escolas de Lisboa que se dedicavam à sua investigação, até ao ano 1900. "Saberá de medicina", como escreveu José de Almada Negreiros.
Porém, Júlio Dantas foi mais do que alguns o querem hoje classificar após o manifesto dos modernistas. Tanto como médico como na área das letras, deixou o seu percurso delineado. Exerceu medicina ao serviço do exército português e essa dedicação laureou-lhe um cargo de embaixador no Brasil no início do século XX. Como escritor, no entanto, deixou uma marca mais profunda que nada teve que ver com inovação: a sua escrita não sugeriu mais ao seu público do que uma continuação do género e dos valores transmitidos pelos registos textuais da época e do final do século XIX. Por muitos especialistas de arte, Dantas é tido como um escritor naturalista, à semelhança de Eça de Queirós. Além dos vastos trabalhos na poesia, prosa e drama, a sua influência na literatura abrange os domínios da propriedade de diversas tipografias lisboetas e a participação na elaboração do acordo ortográfico com o Brasil.
Nasceu em Lagos, no Algarve, morreu em Lisboa e viveu ao longo de 84 anos, registando uma das mais duradouras existências do nosso panorama literário. Não consistiu, no entanto, no escritor mais frutífero das últimas décadas nem mesmo do último século. A sua obra mais importante refere-se ao teatro, exaltando o heroísmo e o amor elegante, e na escrita de novelas. Importa referir, por os tempos actuais haverem perturbado o seu significado inicial, que uma novela, literariamente, é um texto mais extenso do que um conto mas mais curto do que um romance.
Dantas foi dos poucos escritores, entre os que ficaram na História, que obteve maior sucesso e reconhecimento em vida do que após a sua morte. Num sentido que lhe deu o passar veloz do tempo, Júlio Dantas é hoje pouco mais do que o símbolo das resistências culturais que o modernismo conheceu na altura do seu surgimento. Este tipo de resistências prende-se com o registo linguístico, hoje chamado por muitos de "ultrapassado", mas que para mim permanece inalteravelmente belo e contribui para a riqueza literária de que Portugal se pode orgulhar. Segue-se aqui, para demonstração breve, umas frases de Júlio Dantas que retirei de um conto denominado "O amor - mulheres que Camões amou":
Eu julgo que, em muitos casos, pode reconstituir-se a psicologia dum homem pelo simples conhecimento das mulheres que ele amou. O amor por ma mulher representa sempre uma preferência, uma tendência, uma afinidade electiva, um contacto moral. Nas mulheres amadas há muito do homem que as ama. Elas são como que espelhos espirituais onde esse homem se retrata. Reflectem as predilecções do seu carácter, da sua inteligência, da sua educação, da sua sensibilidade.
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